Você está tratando com alguém de um assunto grave e urgente que o preocupa e exige sua máxima concentração na porta de um estabelecimento comercial, ou está na ponta da faixa de segurança na travessia de uma via de trânsito pesado, quando o sinal verde do semáforo já deu a você sua breve e precária autorização para avançar, ou simplesmente está caminhando numa calçada muito chateado por algo que acabou de saber tentando absorver a novidade amarga, indigesta. Numa destas ou em outra das muitas situações semelhantes a última coisa que quer é ser abordado de modo grosseiro por um estranho.
No entanto, quando percebe, um indivíduo, saído você não sabe de onde, encosta-se a você buscando se impor pela proximidade física. E, pior, ele começa a repetir a mesma ordem, com insistência e impaciência: “Me dá uma ajuda aí!”. Você pensa em reagir à altura, mas o estranho acintosamente exibe algo que, imagina, lhe dá autorização para abordá-lo daquela maneira: seu aspecto físico andrajoso, repulsivo, cuja dramaticidade ele agrava ainda mais com cheiro indisfarçável de álcool consumido em alta dosagem. Sua intenção: jogar sobre você o peso da responsabilidade pela situação de miséria que suporta. Você não está com roupa limpa e bem alimentado? Então, ele tem direito de arrancar seu dinheiro.
Este tipo de tirania, apoiado na capacidade de criar desconforto psicológico em outras pessoas, é largamente exercido no triste pátio de exibição da miséria brasileira. Há mendigos que coçam sem pudor suas feridas apenas para torna-las incômodas ao seu olhar. Outros se valem de crianças para comover você.
Nesta busca de domínio através do constrangimento de outras pessoas, é vasto o campo dos comportamentos antissociais. Tente tirar um mendigo das ruas e você terá a dimensão dos estragos físicos provocados numa pessoa por falta de abrigo e alimentos. E dos psicológicos gerados por baixa-estima prolongada e ausência de boas expectativas de vida.
O que fazer com esta gente? Ninguém quer lidar com esta parcela da nossa população diretamente. Os cidadãos situados à esquerda no universo político se recusam a enxergá-la na sua concretude. Encaram os miseráveis de modo abstrato e distante, como um problema social a ser resolvido através de medidas econômicas. Para eles esmola é medida inútil. Tem efeito mínimo e circunstancial. Serviria somente como escapatória do dever de lutar por uma solução estrutural da miséria. Lenine não dizia: “Cada esmola que se dá é uma consciência que se alivia”?
Os direitistas, por seu lado, impacientes querem se livrar logo do convívio forçado com esta gente nas ruas. Mendigos? Afogue-os no Rio Gandu, teria ordenado o antigo governador direitista de Janeiro, Carlos Lacerda, segundo jornais da época. Ou os expulsam da cidade, como fazem prefeitos interior do país.
Como ninguém parece saber lidar apropriadamente com estes inúmeros brasileiros infelizes, a maioria de nós se livra deles de um modo simples? Enfia nas mãos deles, as notas de menor valor de que disponha na carteira de dinheiro para se livrar rapidamente da aporrinhação.