Variedades

A verdade como coisa relativa, de cada um

É oportuno que, nessa época de empoderamento feminino, novos filmes venham se somar a outros que já marcaram a temporada. Ótima documentarista, Emília Silveira resgata uma pioneira da TV brasileira – e mostra como muita coisa realmente começou com Edna Savaget (leia abaixo sobre “Silêncio no Estúdio”).

Mulheres maravilhosas – nenhuma foi mais influente, em 2017, que a Wonder Woman. Tem gente que garante que o blockbuster de Patty Jenkins com Gal Gadot está por trás de todas as denúncias de assédio que abalam Hollywood. A ficção fortaleceu as mulheres e as incentivou a lutar.

“Mulher Maravilha” é um “case”. Em seu filme, ela arma o combate, mas é um homem – o personagem de Chris Pine – que trava a luta decisiva. Em “Liga da Justiça”, ela também agrega, mas se não fosse outro homem poderoso (quem?) as coisas também não se resolveriam. No fundo, essa “dependência” do macho de que as feministas radicais reclamam talvez esteja na origem da personagem. Professor Marston e as Mulheres Maravilhas – no plural – conta a história de como a Wonder Woman foi criada, por meio de seu criador. William Marston era professor de psicologia em Harvard, casado com outra acadêmica, a também professora de psicologia Elizabeth Marston. Ela virou o arrimo financeiro da casa para que ele pudesse criar os quadrinhos com a personagem. É uma história de amor, mas nada convencional.

Professor Marston interessa-se por uma de suas alunas, Olive Byrne, e passam a viver uma situação a três. Mas não se trata da típica fantasia masculina – professor Marston e suas duas mulheres. Elizabeth chega a dizer ao marido: “Sou sua mulher, não sua carcereira”. E ele segue adiante com o affair, mas ela também se interessa por Olive e é correspondida. Como estudioso da psicologia, William se interessava por relações de poder e submissão. E ele também foi um dos criadores do detector de mentiras. É o xis da questão. O filme é sobre a verdade. Mas como ela é relativa, é sobre a verdade de cada um. Muito interessante.

Luke Evans, que faz o Gaston da versão “live action” de A Bela e a Fera, é o professor Marston no longa de Angela Robinson. Escritora (A Vida Secreta das Fadas), roteirista e diretora, Angela é ativista do movimento LGBT, formando par com a também diretora Alexandra Kondracke. Com esse currículo, ela não está nem um pouco interessada em alimentar fantasias masculinas sobre relacionamentos múltiplos.

Se no filme o professor Marston, criador da Mulher Maravilha e do detector de mentiras (com a mulher, Elizabeth), vive a três é por motivos mais complexos. O professor pode ser bonitão, mas a aluna, Olive, é atraída por sua mulher. São interpretadas por Bella Heathcote e Rebecca Hall.

No início, é o interesse acadêmico que introduz Olive na vida do casal. Na sequência, a atração entre as mulheres – bissexuais – aciona o triângulo. Numa cena, o casal espia Olive num ritual de iniciação. A partir daí, as sugestões eróticas tornam-se cada vez mais fortes no relato de Angela Robinson e na criação artística de William Marston.

Numa época em que os quadrinhos eram demonizados – e a situação triangular de Marston provocou protestos na universidade -, é muito curioso ver como as cordas que o trio usava em suas relações sadomasoquistas juntaram-se ao detector que William e a mulher criaram (mas não patentearam). Resultou no laço que a Mulher Maravilha usa para obrigar as pessoas a dizerem a verdade. E ah, sim, Luke, como a diretora, é assumidamente gay.

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