Ninguém espera unanimidade numa lista de 100 mais, e a da Abraccine não é exceção. No prefácio de 100 Melhores Filmes Brasileiros (Grupo Editorial Levramento/Canal Brasil), Paulo Henrique Silva, presidente da Associação Brasileira de Críticos de Cinema, conta que o livro começou a nascer em 12 de setembro de 2015 – há um ano. A ideia, pegando carona nos livros com listas que têm bombado no mercado editorial, seria um livro sobre os melhores filmes de todos os tempos. Evoluiu para os melhores brasileiros, e mais até que a lista em si atraiu os críticos a ideia de textos para justificar as escolhas.
Apesar do brilhante texto do gaúcho Enéas de Souza para validar o grande mito burguês do cinema do Brasil – Limite, de Mário Peixoto -, a lista poderia começar com o segundo colocado, trocar um Eduardo Coutinho, o 4.º (Cabra Marcado parta Morrer), pelo 28.º (Edifício Master), e agregar um Roberto Farias, o viscontiano Selva Trágica. Mas tudo isso é trivialidade. A verdade é que a ponta do iceberg – os dez mais, entre os 100 – tem consistência. Os filmes escolhidos pelos críticos da Associação viabilizam uma ideia de cinema, um critério artístico, uma vontade de pensar o Brasil por meio de seu cinema.
Dos 100, 20 integram o ciclo que começa nesta segunda, 12, no Canal Brasil, associado ao projeto da Abraccine e da Letramento. Durante dez semanas, e até novembro, sempre às segundas e terças, à 0h15, duas dezenas de filmes poderão ser (re)vistos e (re)avaliados no canal brasileiro. Não são necessariamente os 20 primeiros colocados. A programação começa com O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, único longa brasileiro a vencer a Palma de Ouro em Cannes (1962). Prossegue com O Auto da Compadecida, de Guel Arraes. Na próxima semana, virão Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, e Matou a Família e Foi ao Cinema, de Júlio Bressane.
Mário Peixoto tinha apenas 20 anos quando fez Limite, em 1931. Pode-se discutir e até contestar se o filme é tudo isso, a ponto de merecer o primeiro lugar. Mas é um marco de experimentação e, como tal, único na produção artística nacional. Os restantes nove títulos, na lista de dez, valorizam o social e o político. São obras definidoras do Cinema Novo, como Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, 2.º; e Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, 3.º Outro Glauber em 5.º, Terra em Transe, e duas obras que assinalam a contribuição paulista, O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, 6.º, e São Paulo Sociedade Anônima, 7.º.
Nada como o tempo para minimizar certas polêmicas. Anselmo Duarte queixou-se a vida toda de que a Palma de Ouro foi sua ruína. A crítica ligada ao Cinema Novo amava odiá-lo. Ele venceu – O Pagador é 9.º entre os dez mais da Abraccine. Como Zagallo, ele poderia bradar que os críticos terminaram por engoli-lo. Fernando Meirelles saiu-se ainda melhor. Em oposição à estética da fome do Cinema Novo, Cidade de Deus, há 14 anos, foi satanizado como cosmética da fome. O filme ficou em 8.º. A ingratidão dos críticos – Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, reinventou a estética da fome para os anos 2000. Foi parar em 75.º. E as mulheres, então? Suzana Amaral é 42.ª com A Hora da Estrela; Anna Muylaert, 71.ª com Que Horas Ela Volta?, Laís Bodanzky, 71.ª com Bicho de Sete Cabeças; e Ana Carolina, 80.ª com Mar de Rosas. A lista está aí como ponto de partida para se discutir o cinema brasileiro que se quer – que queremos -, como arte e indústria.
10 melhores
1. Limite (1931), de Mario Peixoto
2. Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha
3. Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos
4. Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho
5. Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha
6. O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla
7. São Paulo S/A (1965), de Luís Sérgio Person
8. Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles
9. O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte
10. Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.