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Abujamra morreu pacificamente, de enfarte, aos 82 anos

Autor, tradutor, ator e diretor deixa um legado de talento e paixão
Ele era o que se pode chamar de provocador profissional, e não por acaso comandava um programa – o Provocações, na TV Cultura – que estava no ar há 14 anos. Um programa de entrevistas à meia-luz, em que a voz cavernosa do apresentador podia intimidar. Apesar disso, Antônio Abujamra se orgulhava porque, nesse tempo todo, nenhum entrevistado desistiu na última hora, por temer o confronto com ele. Antônio Abujamra, o Abu, foi sempre tão ruidoso e polêmico que não deixa de ser uma ironia. Na segunda-feira, deitou-se para dormir e não acordou mais. Morreu pacificamente, de enfarte, aos 82 anos.

Sua forte presença cênica faz com que confundam o ator, o apresentador e o encenador. Embora fosse de Ourinhos, no interior de São Paulo, começou no Teatro Universitário de Porto Alegre. Dos seus muitos personagens no teatro, cinema e TV, talvez seja o bruxo Ravengar, na novela Que Rei Sou Eu?, de Cassiano Gabus Mendes, o mais celebrado. Uma novela de capa e espada desenrolada num reino – Avilan – em que reina a corrupção e a rainha é dominada por conselheiros do mal. Nesse mundo de faz de conta, que poderia ser o Brasil, Ravengar quer perverter a única mulher honesta, Madeleine/Marieta Severo. Um quarto de século mais tarde, a novela continuaria atual, e Ravengar, um personagem maravilhoso.

Antônio Abujamra tinha 27 anos quando recebeu seu primeiro prêmio de direção – pela montagem de A Cantora Careca, de Eugene Ionesco, em 1959. Desde então, nunca lhe faltou reconhecimentos, mas o ano de 1989 foi particularmente pródigo para ele, como ator: recebeu simultaneamente o Kikito de melhor ator no Festival de Gramado por seu papel em Festa, de Ugo Giorgetti, e o prêmio da APCA, Associação Paulista dos Críticos de Arte, como melhor ator de TV pelo Ravengar da novela Que Rei Sou Eu? Mais nove anos e o Festival Internacional de Teatro Hispânico de Miami lhe atribuiu, em 1998, o troféu Life Achievement.

Como ator, diretor e apresentador, Abujamra, o Abu, marcou sua presença no teatro, cinema e televisão do País como o provocador. Sua marca sempre foi a irreverência das encenações e o humor cáustico. Desafiou tabus sociais e políticos. Foi importante, mesmo que o temperamento irascível lhe tenha valido inimizades. Vale lembrar que Nelson Rodrigues, o grande dramaturgo, costumava dizer que toda unanimidade é burra.

Ele começou como ator no Teatro Universitário de Porto Alegre, participando de uma montagem de Shakespeare – a peça Assim É, Se lhe Parece. Tornou-se diretor, de teatro e televisão. Dirigiu muito na antiga Tupi (Nenhum Homem É Deus, Salário Mínimo, Gaivotas), mas também na Bandeirantes (Um Homem Muito Especial, Os Imigrantes, Os Adolescentes) e no SBT (Ossos do Barão). Como ator de TV, brilhou em novelas como Sassaricando, Amazônia, A Idade da Loba, Terra Nostra e Marcas da Paixão, além da mais popular de todas – Que Rei Sou Eu? O ano era 1989 e, durante 185 capítulos, entre fevereiro e setembro, o público ligou-se na novela de época de Cassiano Gabus Mendes.

Três anos antes da Revolução Francesa. Em 1786, no reino de Avilan, morre o rei (Gianfrancesco Guarnieri) e assume sua rainha, Valentine (Teresa Rachel), uma histérica controlada por conselheiros tão maquiavélicos quanto corruptos. Mas o rei revela em seu testamento que teve um filho bastardo, e ele tem direito ao trono. Inicia-se a caçada ao herdeiro. Ela coincide com a revolta popular liderada por Jean-Pierre/Edson Celulari, que não é outro senão o herdeiro. A todas essas, atua na corte o bruxo Ravengar, que também tenta influenciar a rainha para satisfazer seus desejos. Eles se resumem numa meta. Fazer sua a mulher mais honesta de Avilan, Madeleine, interpretada por Marieta Severo.

Novela de capa e espada – uma raridade -, narrada em ritmo de paródia pelo diretor Jorge Fernando, Que Rei Sou Eu? marcou época e Ravengar e Valentine permanecem no imaginário dos telespectadores. A Globo lançou em DVD uma versão compacta. Impossível não se divertir com a figura barroca e o vozeirão de Abujamra. No teatro, ele atuou e foi premiado por O Contrabaixo, de Patrick Sussekind. Dirigiu Volpone, de Ben Jonson, o musical Hair, O Inferno São os Outros, de Jean-Paul Sartre, e Retrato de Gertrude Stein Quando Homem, texto dele.

Foi tanta TV e tanto teatro, que chega a surpreender que Abujamra também tenha feito tanto cinema. Foram cerca de 20 filmes: Festa, de Giorgetti, Os Sermões, de Júlio Bressane, Carlota Joaquina, de Carla Camurati, Olhos de Vampa, de Walter Rogério, Quanto Vale ou É por Quilo, de Sérgio Bianchi, e É Proibido Fumar, de Anna Muylaert. Antônio Abujamra tinha 82 anos e seu corpo será cremado nesta quarta-feira. Deixa o filho André Abujamra, músico, e a sobrinha Clarisse Abujamra e a prima Iara Jamra, ambas atrizes (a primeira também diretora).

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