No ano em que o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) completa duas décadas, o Banco Central (BC) ainda pretende recuperar quase R$ 30 bilhões de três bancos nos quais interveio. Esse valor, no entanto, só será pago nos próximos 13 anos. Do total de sete bancos que receberam recursos de um dos mais polêmicos programas da história brasileira, três ainda continuam sob liquidação extrajudicial, ou seja, são geridos pelo próprio BC. Ao final, se tudo der certo, o Proer terá durado impressionantes 33 anos.
Dados inéditos obtidos pelo Estado junto ao BC e por meio da Lei de Acesso à Informação ajudam a formar um capítulo importante da história econômica brasileira, que ainda hoje provoca grande controvérsia e cuja trama não é totalmente conhecida.
A dívida que resta pertence, principalmente, ao Banco Nacional, da família Magalhães Pinto, que ainda vai pagar ao governo R$ 21 bilhões. Outros R$ 7,7 bilhões ainda são devidos pelo Banco Econômico, do banqueiro baiano Ângelo Calmon de Sá. Um valor menor, de R$ 26,3 milhões, é devido pelo Crefisul, do empresário Ricardo Mansur (ex-dono das redes Mappin e Mesbla). Os valores são atualizados até fevereiro deste ano. Os demais bancos que sofreram intervenção federal já quitaram suas dívidas: Bamerindus, Mercantil, Banorte e Pontual.
O procurador-geral do BC, Isaac Sidney Ferreira, explica que o BC pode executar a dívida na Justiça, em caso de atraso no pagamento. Pode chegar até mesmo a ir atrás do patrimônio pessoal dos ex-controladores. A assinatura dos últimos acordos do Econômico e do Nacional com o BC, nos quais os bancos fizeram a “confissão irretratável da dívida” marcou o fim da possibilidade de tentarem, por meios judiciais, reduzi-la.
Quando um banco quebra, o BC nomeia um liquidante para honrar todos os pagamentos da empresa, segundo uma série de critérios – os funcionários, por exemplo, têm prioridade em receber seus direitos. Os bens da instituição são vendidos. Também são atrativas ao mercado as carteiras de crédito dos bancos, principalmente a de empréstimos consignados. Por fim, esses bancos têm bilhões de reais em dívidas com o FCVS, créditos considerados “moeda podre” por causa do recebimento incerto.
Do outro lado do balcão, há bancos interessados em fazer negócio com a recuperação de ativos de instituições quebradas. O BTG, de André Esteves, por exemplo, comprou o que restou do Bamerindus, operação aprovada pelo Cade em julho de 2014, de olho numa fortuna em créditos tributários.
O Proer foi anunciado em novembro de 1995 como “única forma” de salvar o sistema bancário de um colapso: metade dos principais bancos sistemicamente relevantes à época quebrou. Com a estabilização da moeda, muitos bancos que dependiam de ganho inflacionário enfrentaram dificuldades para manter suas operações. Ao mesmo tempo, as fraudes praticadas pelas instituições não puderam mais ser escondidas, pela falta de dinheiro no cenário sem hiperinflação.
O governo Fernando Henrique Cardoso tomou uma decisão que, até hoje, provoca polêmica: autorizou o Banco Central a injetar dinheiro público nos sete bancos privados em condições mais dramáticas. Com isso, permitiu que fossem liquidados ou vendidos. Vinte anos atrás, o PT foi uma das principais vozes contrárias ao Proer.
Confiança.
Em valores da época, o BC colocou R$ 16 bilhões nas instituições, separando-as em duas partes. Os bancos que não tinham salvação entraram em liquidação extrajudicial. Outros, com ativos como agências e clientes, foram vendidos, sem que as dívidas e cobranças judiciais fossem no mesmo pacote. O Nacional, o maior deles, foi vendido ao Unibanco (que em 2008 seria vendido ao Itaú). O Bamerindus foi comprado pelo HSBC. O Econômico foi vendido ao Excel, depois incorporado ao Bradesco, que também adquiriu o Pontual.
Muitos bancos foram capitalizados com títulos públicos. O então ex-ministro da Fazenda Pedro Malan disse, no mês seguinte à criação do Proer, que o BC seria “ressarcido”, ou seja, que o governo não teria prejuízos com o programa.
“Cada centavo emprestado no âmbito do Proer foi empregado exclusivamente para preservar os depósitos e os investimentos dos clientes, o que contribuiu para resgatar a necessária confiança do sistema bancário brasileiro”, afirmou Isaac Ferreira. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.