Estadão

Adeus ao 007 mais sombrio e introspectivo

Roteirista, produtor e diretor de TV e cinema, Cary Joji Fukunaga tornou-se conhecido por Beasts of No Nation. A adaptação do romance do nigeriano Uzodinma Iweala lhe valeu um prêmio no Festival de Veneza de 2015. Quem viu o filme sabe que é bastante doloroso – quanto custa o esforço humano na guerra? Idris Elba era excepcional no papel do Comandante. Talvez não seja mera coincidência que, em meio a intensos boatos de que Daniel Craig estava se despedindo e Elba poderia ser o novo James Bond – o 007 negro -, o ator tenha sido descartado, mas Fukunaga tenha sido escolhido para dirigir o 25.º filme da série.

007 – Sem Tempo para Morrer está encerrando mais um ciclo do personagem na tela. Vale lembrar que, em 2006 – há 15 anos -, quando Daniel Craig assumiu o papel, o ciclo do espião com licença para matar parecia esgotado. Mais do mesmo. Craig aceitou o desafio da produtora Barbara Broccoli de que seria um Mr. Bond mais complexo do que suas versões anteriores. Martin Campbell dirigiu Cassino Royale, que registrou a maior bilheteria isolada de um filme com 007. A morte de Vesper Lynd/Eva Green já anunciava um tom mais sombrio.

Graças a Craig, diretores autorais passaram a frequentar a série. Marc Foster, Sam Mendes. O segundo dirigiu 007 – Operação Skyfall, cuja bilheteria ultrapassou a barreira do US$ 1 bilhão, e 007 – Contra Spectre, que quase chegou lá, US$ 880 milhões. Fukunaga entrou na série já com a encomenda de encerrar o ciclo de Daniel Craig. Não é spoiler. Será o último filme dele. Foi formatado para isso, a surpresa é o que ocorre (e ocorre muita coisa). Neal Purvis, Robert Wade e Phoebe Waller-Bridge escreveram o roteiro que entrega muita ação, claro, mas também humor – 007 chega a chamar M/Ralph Fiennes de darling -, drama, pathos, romance. Nesse sentido, talvez seja o filme mais completo de toda a série. No centro da trama está a questão da paternidade, que atinge os personagens de Madeleine e Rami. Ela carrega o estigma de ser a filha de Blofeld, ele desencadeia toda a ação porque quer se vingar do homem – Blofeld – que matou toda a sua família.

Como nos grandes westerns de Budd Boetticher, nos anos 1950, o mocinho e o vilão são as duas faces da mesma moeda. A mais notável das coincidências. A narrativa decola na cidade medieval italiana em que Bond e Madeleine chegam aparentemente em férias, mas terminam no centro de uma caçada humana que terminará por separá-los. Essa cidade é muito especial. Matera, onde Pasolini filmou O Evangelho Segundo São Mateus e Mel Gibson, A Paixão de Cristo. Matera foi recentemente – em 2019 – o cenário do excepcional O Novo Testamento, em que Milo Rau encenou a Paixão de Cristo com refugiados.

Sem spoilers – saiba apenas que complexas relações familiares compõem os fantasmas do passado. Tem até uma menina, e ela é a chave para a vertente mais dramática que leva 007 a fazer talvez as escolhas mais íntimas de sua carreira de herói. Há quase 50 anos, em O Satânico Dr. No, de 1962, a ação se resolvia numa ilha que era também laboratório. De volta ao começo. À ilha de Rami Malek e ao jardim venenoso de seu pai cientista. Emoção é o que não falta nessa despedida.

<b>Preste atenção</b>

<b>1. Em Santiago</b>: poderia se passar no Chile, onde, afinal de contas, foi parcialmente rodado o segundo filme da série com Daniel Craig, Quantum of Solace. Mas é Santiago de Cuba e a ação é espetacular. Repare na bond girl. Craig e Ana de Armas devem ter tido ótimos momentos de diversão.

<b>2. No segredo: </b>o mais bem guardado é a menininha que aparece na segunda metade de Sem Tempo para Morrer. Mathilde é filha de Madeleine – ela diz que não é dele, ao que Bond retruca Mas esses olhos azuis? . O novo filme revela um James Bond como nunca se viu.

<b>3. No vírus: </b>a trama do filme gira em torno de um vírus, um tal Heracles, desenvolvido em laboratório. Outros filmes da série já mostraram experimentos que os vilões planejam usar para dominar, ou destruir, a humanidade. Nunca houve, como dessa vez, o lançamento de um 007 em plena pandemia planetária. O filme, que já tem um toque de terror, fica mais aterrorizante ainda. Mas tem James Bond disposto a se sacrificar. Ops, olha o spoiler.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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