Montaigne (1533-1592) defendia que a verdadeira amizade é algo raro, um bem muitas vezes inalcançável. Tanto que não conseguiu encontrar um substituto para Etienne de la Boétie (1530-1563) quando o amigo morreu. Inconsolável, sentiu-se perdido após o desaparecimento do filósofo. Houve no modernismo brasileiro uma relação tão forte quanto a dos dois amigos franceses: a do pintor Alfredo Volpi (1896-1988) e do escultor Bruno Giorgi (1905-1993). Um livro e uma exposição, Estética da Amizade, que será aberta dia 23, na Pinakotheke São Paulo, celebram esse relacionamento afetivo que durou mais de meio século (de 1936 até a morte de Volpi, em 1988).
Na exposição, estão 100 obras (desenhos, pinturas e esculturas) dos dois, muitas delas inéditas, pertencentes a colecionadores particulares e ao acervo da viúva de Bruno Giorgi, Leontina Ribeiro Giorgi, um dos lados desse “triângulo amoroso” formado pela quarta mulher do escultor, ele e Volpi. Leontina é a principal fonte sobre a mútua influência artística dos amigos. Os curadores da exposição, Max Perlingeiro, diretor da Pinakotheke, e Pedro Mastrobuono, presidente do Instituto Alfredo Volpi de Arte Moderna, gravaram seu depoimento e reconstituíram o histórico dessa amizade graças à documentação guardada por Leontina.
No depoimento, Leontina conta que Bruno Giorgi e Volpi já eram amigos de longa data quando ela começou a se relacionar com o futuro marido, padrinho de casamento do pintor com Judite, em 1943. Volpi ficou no Cambuci, onde sempre morou – ele viveu até os 46 anos na casa dos pais. Bruno, nascido em Mococa, no interior de São Paulo, fixou residência no Rio. Nem por isso deixaram de se ver. Quando a saudade batia, Volpi chegava na casa de Bruno sem avisar – e sem tempo para ir embora. Muitas vezes os três – o escultor, sua mulher e o pintor – passavam horas sem trocar uma palavra, segundo Leontina. Era o que a viúva classificou com muito humor de “uma orgia silenciosa”.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.