Variedades

Adrien Brody conta como se preparou para ser Houdini

Há exatamente dez anos, num encontro em Nova York – no lançamento de A Vila, de M. Night Shyamalan -, Adrien Brody comparara, para o repórter, a função de ator à do mágico. Ambos precisam trabalhar com a magia e a ilusão, seja para tirar um coelho da cartola ou dar vida a um personagem. Na época, Brody já recebera seu Oscar (em 2002, por O Pianista, de Roman Polanski). Ele seguiu fazendo filmes importantes, outros nem tanto. Está em cartaz atualmente com O Grande Hotel Budapeste.

Numa entrevista por telefone com um grupo de jornalistas de todo o mundo, disse que um dos prazeres de sua profissão é trabalhar com autores talentosos como Wes Anderson, colocar-se em suas mãos e ser um instrumento para que o diretor possa colocar na tela sua visão de mundo. O assunto da conversa é a minissérie Houdini, que o canal A&E vai apresentar em duas partes, dias 27 e 28. Uli Edel é o diretor e o roteiro é assinado por Nicholas Meyer, de O Dia Seguinte e de alguns dos melhores filmes da série Star Trek.

Como você se preparou para interpretar Houdini?

Tenho a impressão de que me preparei a vida inteira, mesmo antes de saber que seria ator e que seria convidado para fazer o papel. Minha jornada para ser ator começa com o meu fascínio pela mágica e pela ilusão. Quando garoto, adorava a ideia de criar alguma coisa que não existia e, dessa maneira, atrair a atenção dos outros, não só para entretê-los, mas para conquistar seus corações e mentes. Isso sempre me pareceu emocionante e, mais que isso, excitante. Foi assim que tudo começou e hoje tenho consciência de buscar personagens que me permitam entender mais a natureza humana e a complexidade dos desafios que temos de enfrentar. Adoro me jogar nessa aventura de descoberta. Sinto que entrar na vida dos outros não é só um jogo, mas um processo que me enriquece e amadurece. Um processo criativo que nunca envelhece.

Dada sua fascinação pela magia, se lhe fosse permitido encontrar e falar com Houdini, o que lhe diria?

Já lia sobre ele muito antes de saber que faria o papel. E o exemplo de Houdini sempre foi inspirador. Como um imigrante pobre da Europa Oriental supera suas limitações e vira um sucesso numa sociedade como a norte-americana, que não tolera o fracasso? A resposta é a sua tenacidade. Ele tinha que ter muito foco para atingir seus objetivos. Por isso não sei se conseguiria lhe fazer uma pergunta, mas gostaria de estar na presença dele, para entender como era.

Alguma característica importante que você descobriu na preparação?

Oh, sim, ele era destemido, num grau que poucas pessoas conseguem ser e eu tenho a impressão que foi por isso que o mundo se enamorou dele. Tenho a impressão que essa é a característica mais forte e que o torna relevante mesmo para nós, no mundo atual. Se você pensa nos riscos que ele correu para se afirmar no começo do século passado… Não é muita gente que teria sua determinação. Mas a verdade é que não precisaria lhe perguntar sobre seus truques, suas mágicas. Sobre isso já sei bastante.

Sabe tudo?

Não, não sei tudo, mas o suficiente. Há um aspecto físico que é muito importante. Já enfrentei processos similares no passado, e essa é a parte menos difícil. Mas Houdini me trouxe desafios particulares. Seus números de confinamento e mergulho, a habilidade de romper as cadeias e escapar de baús cadeados, debaixo dágua, tudo isso exigia dele e exigiu de mim muita disciplina. Havia uma dose real de perigo nas suas mágicas que eu tive de encarar. Fiz eu próprio os stunts, tudo era muito preciso e planejado, sem margem de erro. Sei agora que aos 5, 6 anos, quando comecei a me interessar por Houdini, lancei os fundamentos – as origens – de uma ideia de performance que virou a base de minha carreira. O mais duro foi a câmera de tortura subaquática. Sempre existe uma rota de fuga, mas ela só é viável se você controla sua respiração. Se não controlava, ficava desorientado. Era bem angustiante.

Quando você fala nele como destemido e sublinha o perigo, pode-se dizer que ele era viciado no medo? Que curtia a adrenalina, a fama?

Sem dúvida. Diria até que Houdini foi pioneiro na arte de se autopromover. Era ambicioso e sabia usar a propaganda, os jornais, para despertar a atenção das pessoas. Antecipava o perigo, a dificuldade e criava, no imaginário das pessoas, a necessidade de conferir se ia conseguir. Então pode-se dizer que, sim, ele era viciado em adrenalina, mas como qualquer pessoa que pratica hoje esportes radicais, tinha de dominar suas ferramentas. De que forma? Com disciplina.

O filme aborda o aspecto mais controvertido de todos – Houdini como espião. Até que ponto isso é real ou foi licença poética?

Por sua fama e facilidade de deslocamento, pela forma como atraía multidões na Europa e nos EUA, Houdini foi cooptado pelo governo para ser espião, na 1.ª Grande Guerra. Natural. Ele vivia em contato com as maiores personalidades de sua era. O presidente dos EUA, Sir Arthur Conan Doyle, Rasputin. Polemizava com os espiritistas. Ninguém mais contesta que foi espião, mas muitos detalhes permanecem secretos. Nesse sentido, nosso escritor (o roteirista Nicholas Meyer) nutriu-se de imaginação e liberdade poética. O showman, o mágico que vira espião? Quer história melhor que essa? Alguns detalhes são factuais – seu passaporte de Nova York. Outros, são pura fantasia. Mas é assim que as coisas funcionam quase sempre quando se faz ficção a partir da realidade.

Você tem uma carreira sólida no cinema, mas está numa série de TV. Concorda que a televisão é onde está hoje a criatividade do audiovisual na América?

A TV tornou-se uma mídia muito atraente, que hoje atrai atores como Halle Berry e Matthew McConaughey e diretores como Steven Spielberg e Steven Soderbergh. Mas eu não penso numa carreira específica. Fazer só filmes, ou só televisão. Sou conduzido pelo material. Mais que escolhê-lo, ele me escolhe.

Gosto de me cercar de gente que me inspire, que me proponha coisas diferentes. Nesse caso, uma minissérie em duas partes oferecia o tempo perfeito para um personagem que me fascina. Afinal, o maior performer da América… Um filme de duas horas seria pouco, estender a duração seria esticar além da conta. A TV tem hoje grandes autores que trabalham nela. É fácil de entender, se você quer fazer algo original, à margem dos estúdios. O cinema virou uma operação de marketing. Exige muito investimento publicitário. E os independentes, sem suporte dos estúdios, penam para atrair o público.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Posso ajudar?