Ensinar crianças a ler e escrever é um aprendizado constante também para adultos. Essa é a reflexão proposta pela argentina Ana Teberosky, pesquisadora da Universidade de Barcelona e referência mundial em educação infantil. Segundo ela, o processo de alfabetização exige pais e professores interativos e cada vez mais preparados. Um dos desafios é compreender o leitor iniciante de hoje – uma geração acostumada aos códigos das telas e teclados bem antes de chegar à sala de aula.
Quais são as dificuldades de orientar a educação infantil em um país tão grande e diverso como o Brasil?
Os desafios são muitos. É preciso ter estratégias unificadas, mas, ao mesmo tempo, diversidade. Deve-se levar em conta aspectos pessoais, regionais e culturais. A vantagem é que as crianças se parecem mais entre si quando pequenas. Por outro lado, os estudos mostram que elas já se diferenciam no primeiro ano de vida, em função da família, região ou contexto socioeconômico. Na linguagem oral, já existem diferenças, que explicam problemas mais tarde, no ensino fundamental.
Quais são essas diferenças?
Há variações no vocabulário – a quantidade de palavras que as crianças compreendem e produzem. E não significa que as palavras vão simplesmente nomear as coisas, mas dão sentidos mais amplos. Água pode significar sede. Isso influencia toda a aprendizagem posterior do oral e do escrito. Com um vocabulário pobre, a criança entende menos o texto e aprende menos. A função da escola é compensatória. Isso também tem a ver com o ambiente enriquecedor. Por isso, nós estimulamos os adultos a interagirem com as crianças. A linguagem se aprende pelo uso. Se o menino não escuta, também não fala.
Como deve ser a formação dessas crianças?
Na educação infantil, até 5 anos, a leitura deve ser feita pelo adulto e a escrita, em parte, também. A criança entra e participa do processo sempre que há leitores e escritores à disposição. Uma das coisas mais importantes nessa idade é a leitura em voz alta. Além disso, é preciso acabar com a oposição entre brincadeira e aprendizado. O jogo de faz-de-conta, de caráter simbólico, contribui para a construção do conhecimento. Se apenas colocamos as crianças sentadas em carteiras por horas para copiar cartilhas será entediante.
Como deve ser a participação dos pais nesse processo?
É possível qualificar o contexto de aprendizagem com a participação do adulto. Em linguagem, assim como nos cuidados com saúde e alimentação, os adultos devem aprender como ensinar seus filhos. Qualquer pai tem condições de ajudar: cantando ou explicando imagens, por exemplo.
Como são as crianças que chegam à escola hoje?
São bem diferentes de anos atrás. Um fator muito importante é a tecnologia. Quase todas as crianças sabem o que são computadores ou smartphones, independentemente do nível econômico. Os objetos mudaram e a interação com os objetos também. A criança já enxerga todas as letras do alfabeto pelo que vê no teclado do celular. A urbanização e a escolarização são outros aspectos. Antes o menino chegava à escola apenas aos 6 anos. Hoje em dia as mulheres trabalham e as crianças são escolarizadas cedo, por causa da necessidade. Essa é a tendência. Outra mudança, influenciada pelo contexto urbano, é o consumo. Quase tudo vem etiquetado e superespecializado. Não se compra apenas leite – mas leite do tipo desnatado, sem lactose ou sem cálcio. As crianças aprendem isso. É informação escrita que elas reconhecem imediatamente.
Como mudou a interação entre os sujeitos na aprendizagem?
A socialização é de outra maneira. No espaço escolar, as crianças aprendem com outras crianças e com outros adultos, que não são o pai e a mãe. Ao mesmo tempo, existe a possibilidade de aprendizagem compartilhada, com diversas crianças ao mesmo tempo. É bem diferente de aprender sozinho.
Essa sobrecarga de informações confunde a criança?
Não, ela se acostuma. Vivemos em um contexto hiperinformado, cheio de signos. A confusão acontece se ela não alcança as ferramentas para entendê-lo. Outro ponto é que, mais do que leitores, crianças e adultos são voyeurs. Cada vez mais temos informação visual, mas não estamos preparados para isso. As professoras devem ensinar como interpretar ilustrações. Tabelas, infografias e quadrinhos, com textos e imagens, também são recursos excelentes para a aprendizagem.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.