A Polícia Federal e Ministérios Públicos estaduais deflagraram nesta terça-feira, 21, duas operações contra a venda ilegal de armas e munições para facções criminosas e um grupo voltado à prática de roubos na modalidade "novo cangaço". As investigações apuram o envolvimento de CACs – categoria formada por colecionadores, atiradores desportivos e caçadores -, policiais militares e lojistas em desvios de armamentos para abastecer os criminosos.
"As ações investigadas constituem uma modalidade de conflito proveniente da evolução de crimes violentos contra o patrimônio, no qual grupos criminosos subjugam a ação do poder público por meio do planejamento e execução de roubos que causam um verdadeiro terror social", afirmou a PF sobre o novo cangaço.
Em uma das ofensivas, batizada de Operação Baal e aberta em conjunto com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, quatro CACs foram presos.
Eles são suspeitos de ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e de usar o registro da categoria para fornecer armas para quadrilhas. Agentes cumpriram 12 ordens de prisão temporária e 24 mandados de busca e apreensão, em São Paulo, na Bahia, no Maranhão e no Piauí. Foi decretado o bloqueio e sequestro de bens dos investigados no valor de até R$ 4 milhões.
<b>Farda</b>
Durante as diligências, foram apreendidas diversas armas, inclusive fuzis com alto poder de destruição, explosivos, pólvora, granadas caseiras e coletes balísticos. Também foram encontrados, em uma casa no interior do Maranhão, peças de fardamento usado por policiais, o que indica que o grupo estava pronto para uma nova ação, segundo a PF.
As investigações indicam que a quadrilha planejava um ataque para o fim do ano passado, mas a ação foi adiada porque um dos líderes do grupo foi executado por outra facção.
O inquérito foi aberto após uma tentativa de roubo a um banco em abril de 2023, em Confresa (MT). Na ocasião, suspeitos foram presos e mortos em confronto – um deles morava em São Paulo e integrava o PCC. O grupo sob suspeita também está ligado a ações de roubos em Criciúma (2021), Guarapuava (2020) e Araçatuba (2021).
<b>Sargento</b>
Já na Operação Fogo Amigo, a PF identificou um sargento da Polícia Militar de Pernambuco como o "principal fornecedor de armas e munições" da facção criminosa Honda. De acordo com a investigação, o militar detinha "significativos expressividade e volume" no abastecimento do grupo criminoso.
A PF resgatou uma sequência de diálogos que remetem à venda ilegal de armas do sargento Josenildo de Souza Silva para a Honda. A investigação rastreou transferências Pix para uma conta de Josenildo. Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) indica que ele movimentou, entre 2021 e 2023, R$ 2,1 milhões, "totalmente incompatíveis com sues rendimentos de sargento da PM".
A investigação que chegou a Josenildo teve início com as informações colhidas em celular apreendido na Operação Astreia, as quais apontaram "intensa atividade de comércio ilegal de armas de fogo, munição e acessórios".
Os dados estavam armazenados no celular de Hiago Cruz, que atuava em nome de Josenildo na intermediação de compra e venda de armas de fogo. Hiago fechou acordo de delação. Seus relatos denunciaram a participação do sargento, considerado o "principal fornecedor ilegal e articulador do esquema com uma grande rede de contatos".
<b>Uso restrito</b>
As investigações culminaram na abertura da Operação Fogo Amigo, no rastro de uma quadrilha que seria formada por PMs, CACs e lojistas. O grupo, de acordo com os investigadores, se dedicava à venda ilegal de armas e munições para facções criminosas que atuam em Pernambuco, na Bahia e Alagoas. Agentes da PF foram às ruas para cumprir 20 ordens de prisão preventiva e 33 ordens de busca e apreensão. Conforme a PF, a quadrilha comercializava também armas de uso restrito, como fuzis e espingardas semiautomáticas – frequentemente usados em assalto a carros blindados e a bancos.
O inquérito indica que a obtenção das armas se dava por meio de inserção de informação falsa em sistemas de fiscalização. Em março, o <b>Estadão</b> revelou que um relatório sigiloso do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o Exército emitiu licenças de CACs para condenados por crimes como tráfico de drogas e homicídio, pessoas com mandados de prisão em aberto e para cidadãos que podem ter sido usados como "laranjas" do crime organizado.
Na semana passada, o TCU determinou que a Força cancele as autorizações concedidas a caçadores, atiradores e colecionadores com pendências judiciais. Além disso, a Corte de Contas também obrigou os militares a consultarem bancos de dados das polícias e do Judiciário para verificar implicações criminais contra quem apresenta requerimento para ser registrado como CACs.
<b> Periculosidade </b>
Além do sargento Josenildo, foram identificados outros 19 suspeitos de integrar a quadrilha. A PF pediu a prisão preventiva dos investigados, solicitação que foi acolhida pelo juiz Eduardo Ferreira Padilha. O magistrado determinou o bloqueio de até R$ 10 milhões dos alvos da Fogo Amigo.
Para o juiz, ficou evidenciada a "periculosidade dos agentes, uma vez que estão engajados na distribuição de armas e munições ilegais, inclusive com indícios de que tais armamentos têm como destino organizações criminosas".
As defesas dos citados não haviam sido localizadas até a noite da terça-feira, no fechamento deste texto.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>