A Agência Nacional de Águas (ANA) negou um pedido feito pelo governo da Bahia para que a agência federal atuasse no monitoramento da qualidade da água consumida na região de Lagoa Real, região sudoeste do Estado, onde foi detectada a presença de água contaminada com alto teor de urânio.
Em ofício enviado na semana passada à agência, a diretoria da Vigilância Sanitária e Ambiental, ligada à Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, havia pedido que a ANA participasse do monitoramento nos poços próximos à região onde a contaminação foi encontrada. A agência, no entanto, respondeu que “a contaminação diz respeito a águas subterrâneas, exploradas por meio de poços tubulares, portanto, trata-se de competência direta do Estado da Bahia”.
Segundo a ANA, cabe exclusivamente ao órgão gestor estadual de recursos hídricos – o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) – ou à vigilância sanitária executar esse trabalho.
A agência também foi convidada para participar de uma reunião sobre o assunto com o governo da Bahia. O convite também foi rejeitado, sob argumento de que a agência não tem técnicos disponíveis neste momento para enviar ao encontro. “A ANA possui programas de apoio à gestão hídrica nos Estados e está disponível para cooperação, mas, devido ao número de demandas relativas às suas competências legais com as quais está envolvida neste momento, a agência não dispõe de técnico para enviar para reunião esta semana”, declarou agência.
Por meio de nota, a ANA informou que “está à disposição para receber as informações produzidas no encontro e prestar apoio”.
O posicionamento da agência federal surpreendeu e desagradou o governo baiano, que procura uma atuação conjunta e permanente na região, conforme declarou em diversas ocasiões o secretário do Meio Ambiente da Bahia, Eugenio Spengler.
A mobilização em torno do caso teve início no dia 22 de agosto, com base em denúncia publicada pelo jornal o Estado de S. Paulo. A estatal federal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que detém o monopólio de exploração do material radioativo no País, realizou duas inspeções em um poço localizado em um sítio na zona rural de Lagoa Real e, em ambas as coletas, encontrou água com alto teor de urânio no poço. A empresa, no entanto, não comunicou o caso aos órgãos de controle, conforme demonstrado pela reportagem.
Os laudos técnicos que comprovam a contaminação e que foram elaborados pela própria INB só seriam enviados à prefeitura de Lagoa Real em maio deste ano, sete meses após a primeira coleta, quando a prefeitura mandou fechar o poço. Nenhum outro órgão federal teve acesso a essa informação.
A INB nega responsabilidades sobre a contaminação e diz que o reservatório privado está fora da área de sua responsabilidade. A estatal, que explora urânio no município vizinho de Caetité há 15 anos, afirma que o local está localizado a 20 quilômetros de distância do ponto contaminado.
A partir da denúncia, o Ibama tomou conhecimento da contaminação e autuou a INB. O Ministério Público Federal abriu processo para apurar o caso.
No Congresso, Senado e Câmara aprovaram a realização de audiência pública para cobrar explicações. O governo baiano, que também desconhecia o problema, promete agora instalar um programa de monitoramento permanente na região, com inspeções regulares da água a cada seis meses. Há pelo menos 95 poços já cadastrados pela Vigilância Sanitária de Lagoa Real para receber o serviço. Uma reunião para definir ações práticas deste monitoramento está marcada para a próxima segunda-feira, dia 28.
Relatório
Na mesma segunda-feira, será lançado em Caetité e Lagoa Real um relatório sobre a investigação dos impactos ambientais da exploração de urânio. O estudo “Impacto radiológico da mina de urânio da INB em Caetité” foi elaborado pelo laboratório da organização francesa Comissão de Pesquisa e Informação Independente sobre a Radioatividade (CRIIRAD).
Assinado pelo engenheiro em física nuclear, Bruno Chareyron, o trabalho da Comissão incluiu duas viagens a Caetité, (2012 e 2014), quando o cientista francês participou de uma oficina sobre monitoramento comunitário, coletou amostras de solo, de águas, subterrânea e de chuva, e fez medição de radiações ionizantes, em áreas afetadas por atividades de prospecção e em locais potencialmente atingidos por poeira, ou contaminados por infiltração.
O documento, que avalia a atividade nuclear na Bahia, faz parte de um projeto de cooperação internacional ligado ao projeto Ejolt. A iniciativa é coordenada pela Universidade Autônoma de Barcelona e realizada em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, Movimento Paulo Jackson, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Comissão Paroquial de Meio Ambiente (CPMA), com apoio da instituição alemã Médico Internacional.