Os ruídos no diálogo entre governo e Congresso explicitados na discussão em torno do Orçamento Impositivo se refletem também na área social, mais precisamente no mais importante programa de transferência de renda do País. Propostas de reformulação do Bolsa Família começaram a ser discutidas paralelamente no Executivo e no Legislativo, com pontos divergentes entre si e, até o momento, sem diálogo entre ambas as partes.
A reformulação do Bolsa Família é parte de uma série de propostas apresentadas por parlamentares, capitaneados pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para desenvolver uma agenda social própria do Congresso, no momento em que o governo de Jair Bolsonaro se prepara para levar adiante medidas amargas, com os pacotes fiscal e administrativo. "Uma das razões que nos levou a fazer isso é a lacuna que existia e ainda existe porque não tem nada concreto com relação a essa parte social no governo", disse o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), integrante do grupo de trabalho.
A comissão especial da Câmara criada por Maia para discutir o tema realiza hoje a primeira audiência pública. Na lista de convidados, entretanto, não há representantes do governo, apesar de o requerimento aprovado prever a participação de representantes dos Ministérios da Cidadania e da Economia.
Entre as mudanças propostas pelos parlamentares estão tornar o Bolsa Família uma política de Estado, elevar as linhas de pobreza e de extrema pobreza para que mais pessoas sejam atendidas, e aumentar o valor dos benefícios. O impacto nas contas públicas previsto com as mudanças é de R$ 9 bilhões. O programa hoje atende a 13,5 milhões de famílias e tem orçamento total de R$ 30 bilhões.
"Na reformulação do Bolsa Família, o mais importante é transformá-lo em política pública de Estado. É para que cada governo que entra não o modifique, para não ficar a bel prazer da ideologia de cada governante que entra", afirmou a presidente da comissão especial, deputada Flávia Arruda (PL-DF).
Por parte do governo, como antecipado pelo Estado em janeiro, a reestruturação do programa prevê aumentar a renda de 10 milhões de beneficiários mais pobres que já fazem parte do programa social – o custo seria de cerca de R$ 7 bilhões. Entre as alterações anunciadas na época pelo então ministro da Cidadania Osmar Terra está a criação de um bônus para filhos de beneficiários com desempenho escolar acima da nota 7.
O aumento das linhas de pobreza e de extrema pobreza estão nos planos tanto do governo quanto do Legislativo, mas as propostas são diferentes. Enquanto o Planalto pretende definir como em situação de pobreza aqueles que recebem até R$ 200 per capita, o Congresso quer esticar esse teto para até R$ 250. Hoje, o limite é R$ 178. Ambos, no entanto, concordam em elevar de R$ 89 para R$ 100 o corte dos brasileiros em situação de pobreza.
Os dados mais atualizados do Bolsa Família mostram que ao menos 3,5 milhões de pessoas deveriam estar incluídas no programa porque, conforme os critérios atuais, estão em situação de extrema pobreza.
No dia 8 de janeiro, o ministro Onyx Lorenzoni, ainda na Casa Civil, entregou a Bolsonaro estudos sobre um novo Bolsa Família – no mês passado, o presidente substituiu Terra por Onyx no Ministério da Cidadania. Até o momento, porém, a Pasta não tem um texto final consolidado.
"Há uma ampla gama de ideias em estudo", informou o ministério. "Ocorre, contudo, que na atual fase do processo de formulação, ainda não há propostas cuja implementação esteja garantida. Todos os itens estão sujeitos ao cálculo e recálculo de opções. Algumas propostas surgiram, foram abandonadas, voltaram a surgir e ainda há dúvidas sobre sua viabilidade", informou a pasta, em resposta a pedido de esclarecimentos feito pelo deputado Jesus Sérgio (PDT-AC).
Governo e Congresso têm propostas diferentes em relação ao Fundeb. Principal mecanismo de financiamento da educação básica, o fundo foi criado em 2006 e tem vigência encerrada em dezembro.
A principal discussão é quanto cada um dos entes federativos vai contribuir para o fundo, que, neste ano, tem receita de R$ 173,7 bilhões. O Ministério da Educação tenta manter a participação do governo no atual patamar, de 10%, enquanto deputados defendem aumentar essa parcela para 40%. Uma proposta intermediária, que prevê 15% no ano que vem, elevando um ponto porcentual por ano, até atingir 20% em seis anos, deve ser votada nesta semana na comissão especial que discute o tema na Câmara. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>