Silvia Kaimbé é a nova agente comunitária de Guarulhos, a primeira indígena na história da cidade. Tem 40 anos, quatro filhos e um marido, o Antonio Carlos. Ela vive no Alvorada, na região do Pimentas, mas é no Cidade Soberana, que a kaimbé deve fazer história como referência da população indígena da cidade.
Em Guarulhos há 14 etnias indígenas catalogadas, dez são organizadas e se reúnem com regularidade, para reivindicar os direitos dos povos indígenas da cidade, inclusive o direito à terra. Eles não estão aldeados. Vivem espalhados por todo o território da cidade, o que diminui a possibilidade de conseguirem recursos federais e assim projetos de valorização e manutenção das culturas indígenas.
Com a posse de Silvia Kaimbé, na UBS Soberana, como agente de saúde, surge uma possibilidade concreta de estreitar as relações entre usuários indígenas e os serviços de atendimento à saúde com o cuidado e respeito às tradições e costumes indígenas.
“Nós indígenas somos de várias etnias aqui em Guarulhos. São várias culturas, várias formas de se tratar. Os idosos da minha etnia, por exemplo, não gostam de ir ao médico, de tomar remédio da farmácia. Gostam de um chá, então isso já é uma complicação. Nós teremos o respeito a essas tradições, não vamos impor nada”, disse a agente.
O pré-natal é outro desafio. Algumas jovens não têm o costume de irem ao médico com a necessária regularidade. Silvia destaca que entre os seus contatos há uma gestante tupi que faz o pré-natal, mas que em sua aldeia, as mulheres não gostam, não têm esse costume.
“Há uma preocupação de não agredir a cultura do indígena oferecendo formas mais naturais de tratamentos, de forma que uma senhora indígena se sinta acolhida e não desrespeitada ao passar por uma consulta”, preocupa-se Ana Cristina Kantzos, médica e diretora do Departamento de Assistência Integral à Saúde (DAIS) da Secretaria de Saúde de Guarulhos.
Segundo a diretora, o trabalho da agente será o de identificar e mapear onde estão os indígenas, destacando as demandas por atendimento e para que assim possa ser ampliada a oferta desse tipo de atendimento aos indígenas, favorecendo a logística dessa população. “Ela (Silvia Kaimbé) contará com um carro e um motorista para se locomover e levantar os números e as necessidades dessa população”, afirmou Ana Cristina.
Silvia receberá seu pagamento por meio de uma verba da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI/MS) do Ministério da Saúde, mas seu deslocamento e estrutura necessária para o trabalho será mantido com verba da pasta municipal.
A agente
Silvia é filha do baiano João Kaimbé e da juruá (mulher branca) Neusa. Nasceu em Guarulhos e não foi criada pelos pais. Até os 22 anos, entre sua infância, adolescência e descobertas passou por diferentes casas até que decidiu ir viver na aldeia que seu pai nasceu na Bahia, na aldeia Massacara, em Euclides da Cunha.
Lá, Silvia já era uma agente de saúde. “Na comunidade a gente sempre tinha atendimento específico com a equipe multidisciplinar. Aqui, vamos levantar as necessidades do povo”, conta Silvia. Ela tem o segundo grau completo. E chegou a iniciar a faculdade de Educação na Bahia, mas trancou a matrícula por falta de recursos.
“Quando eu sai da minha aldeia e vim tentar a vida aqui de novo, eu me entristeci. Mas quando cheguei aqui (Guarulhos) e vi a luta dos meus parentes, vi que eles estão conseguindo vencer uma batalha. Os parabéns por essa conquista, de ter uma agente de saúde indígena, não é para mim é para eles”, desabafa.
Sabedoria indígena
Não é só a comunidade indígena que ganha com essa proximidade aos povos indígenas. “Aqui nós estamos fazendo uma cartilha com verba ministerial para divulgar também esses chás (ensinados pelos indígenas), tratamentos fitoterápicos, porque a gente percebe que existe uma medicalização muito forte. É uma troca muito importante que vem somar à Saúde de Guarulhos”, disse Ana Cristina, a diretora do DAIS, em diálogo com a sabedoria indígena.
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