A um ano das eleições, o agronegócio começa a mostrar divisões internas e a procurar alternativas ao presidente Jair Bolsonaro entre os candidatos de centro, a chamada terceira via. Influenciadores e grandes empresários do setor dizem, contudo, que, se um nome fora da polarização não se viabilizar, o grupo tende a apoiar em peso a reeleição do atual presidente num esforço para derrotar o PT.
"Entre os agricultores, vejo uma tendência pró-Bolsonaro. Agora, nas instituições está todo mundo olhando o horizonte, ninguém tem posição tomada ainda", disse o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio na Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas.
Um dos que mantêm canal direto com o agro é o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Interlocutores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também buscam refazer pontes e telefonaram para Rodrigues. Assim como o PSB. "Todos que me procurarem vou ajudar, com o mesmo plano de governo para todos. Eu defendo a agricultura em qualquer ambiente", afirmou o ex-ministro de Lula, que não teve ainda contato com Bolsonaro.
A debandada de parte do setor ficou evidenciada com a iniciativa de entidades do agro de encabeçar uma carta em defesa da democracia, antecipando-se ao recuo dos industriais. Embora não cite Bolsonaro, o texto foi articulado como contraponto ao discurso autoritário do presidente no 7 de Setembro. O manifesto menciona a "moderna agroindústria brasileira". "Somos força do progresso, do avanço, da estabilidade indispensável e não de crises evitáveis", diz o texto, que fala em "tensionamento e riscos de retrocesso e rupturas". Assinaram o documento, entre outros, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal.
Para Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil e ex-candidato a vice-presidente pelo Novo, apesar de ser heterogêneo, o setor se unirá na oposição a Lula. Segundo Lohbauer, há três grupos no agro: um contra o retorno do PT; um que apoia fielmente a gestão da ministra da Agricultura, Tereza Cristina; e outro que é pró-Bolsonaro, o que ele chama de "radicalismo agrário". "Se tem uma pauta que integra e une é a agenda anti-PT, por isso ocorre essa associação binária", afirmou. "O agro inteiro busca encontrar uma alternativa para o PT não ganhar e vai fazer o que for necessário."
A opinião de Lohbauer coincide com a de outro nome de peso do setor, o ex-ministro da Agricultura no governo Collor Antônio Cabrera Mano Filho. Eles observam que Ciro Gomes (PDT) se inviabilizou por causa de declarações generalizantes em que citou "bandidos do agronegócio". Ciro depois se retratou, afirmando que se referia a uma "parcela ínfima".
"Do outro lado (esquerda) não é a nossa praia, não tem como. O apoio a Bolsonaro é generalizado", disse Cabrera, veterinário e exportador de carne, milho, soja e cana-de-açúcar. "Não sou muito fã desse negócio de terceira via. É meio que tentar embalar algo que não está dando certo. Até gostaria que surgisse, mas o que percebo é que está ficando Bolsonaro contra anti-Bolsonaro", declarou o ex-ministro.
Para Cabrera, há um sentimento geral de frustração com outras agendas liberais do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele citou a falta de avanço nas reformas tributária e administrativa e, principalmente, as privatizações que patinam. "O maior adversário de Bolsonaro se chama Bolsonaro. Hoje eu sou a favor dele porque não tenho nenhuma opção, dentro da linha da liberdade econômica", afirmou. "Ficar falando que o Bolsonaro só diz bobagem não vai eleger ninguém. É um voto birrento, infantil. Candidatos da esquerda só falam em meio ambiente. É importantíssimo, mas e a infraestrutura?"
<b> Grave </b>
O pecuarista e ex-dirigente da Sociedade Rural Brasileira Pedro de Camargo Neto acrescentou como frustrações os retrocessos na pauta anticorrupção com a demissão do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e a aliança com o Centrão. Ele rompeu com a entidade que presidiu após 30 anos de elo, por causa do apoio da SRB a políticas do atual governo personificadas pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles – investigado por suspeita de envolvimento com madeireiras.
"A credibilidade do País foi perdida com a permissão de ilegalidades, a extração de madeira e o garimpo. Se não enfrentar isso e o grilo de terras, que é roubo de terra pública, não resolve nada, não adianta ficar falando de bioeconomia e de pagamento por serviço ambiental na Amazônia", afirmou. "Nisso o governo falhou e é muito grave. Tem que pôr ordem na casa", cobrou o pecuarista, que tem fazendas em Mato Grosso do Sul, São Paulo e Piauí, e é doutor em Engenharia de Produção pela USP.
Apesar das críticas, líderes do setor apresentam inúmeros pontos de identificação com o atual governo para justificar a escolha num cenário de polarização com o PT. Entre outras razões, estão o conservadorismo e um cansaço da relação conflituosa histórica com ambientalistas, movimentos sem-terra e organizações não governamentais (ONGs). "Os caras apanharam do ambientalismo, do MST, então eles têm uma sequela, uma mágoa. É um Brasil fora das bolhas urbanas e tem pensamento mais conservador, de costumes", disse Camargo Neto.
Outro traço em comum é a boa avaliação de ministros como Tereza Cristina (Agricultura) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), e "correções de rumo" com as entradas de Joaquim Leite (Meio Ambiente) e Carlos França (Itamaraty) no governo. "Os ministros próximos do agro estão fazendo um bom trabalho e isso valoriza Bolsonaro perante os agricultores", afirmou Roberto Rodrigues.
A bonança do agro em plena pandemia da covid também é destacada. Segundo Cabrera, o setor cresceu e traders já estão procurando produtores para negociar a compra antecipada da safra de 2023. O ex-ministro de Collor elogiou o governo Bolsonaro por dois pontos principais: não interferir no mercado para controlar exportações, seja com limitação ou tributação, e a ausência das invasões no campo por parte do MST. "Não somos alienados, sabemos que temos problemas graves de saúde na pandemia, mas o setor foi muito agraciado, com exportações."
Conhecedor no mercado externo, Camargo Neto vai além: a conjuntura de dólar valorizado nas exportações em alta beneficiou como nunca o exportador. "Isso era algo que não acontecia. Aumentou a exportação e não derrubou o dólar. O setor acaba sendo beneficiado", disse. "Mas tem que ver como fica no ano que vem. Os insumos também subiram."
Até agora, nenhum presidenciável manteve diálogo formal para pedir apoio a entidades do setor. Porém, há reuniões frequentes com Bolsonaro e diálogos incipientes em privado com outros presidenciáveis.
<b>Partidos também avaliam nome</b>
Além de lideranças do setor do agronegócio, cresce no espectro da direita partidária a disposição de buscar outro nome capaz de derrotar o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva na disputa presidencial de 2022.
As mais recentes pesquisas de intenção de voto mostraram o presidente Jair Bolsonaro com dificuldades para debelar a rejeição, na faixa de 60%.
"É um empecilho muito grande. Lula está conseguindo voto útil, um feito inédito. A eleição começa a mudar de eixo. Desde 2006 discutimos o anti-PT. Agora, estamos discutindo o anti-Bolsonaro", afirmou Bruno Soller, do Instituto Travessia Estratégia e Marketing.
O União Brasil, novo partido que resultará da fusão entre o PSL e o DEM, avalia os prós e contras de apoiar ou não a reeleição de Bolsonaro. Uma candidatura própria partiria turbinada por R$ 320 milhões do fundo eleitoral, a maior fatia.
Quadros que voltaram ao poder depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), entretanto, pretendem fazer de tudo para não regressar à oposição, ainda que tenham de se aliar novamente ao presidente. A hipótese tem agitado os bastidores da fusão. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>