A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com recurso contra a decisão do juiz Cláudio Roberto Canata, da 1.ª Vara Federal de Bauru (SP), que condenou a União a pagar uma indenização de R$ 66 mil por danos morais ao delegado federal Mário Renato Castanheira Fanton.
O principal argumento é o de que o delegado estaria abusando do direito de pedir indenização. Isso porque ele move pelo menos quatro ações a partir das mesmas denúncias. Os advogados da União Henrique Marcello dos Reis e Viviane de Macedo Pepice pediram que os processos passem a tramitar em conjunto. Também afirmam que as acusações não foram devidamente provadas.
"A propositura de inúmeras ações, tendo como base a mesma causa de pedir dos danos morais (= suposta perseguição), apenas e tão somente corrobora o fato incontestável que o intuito é o de confundir a compreensão clara dos fatos", escreveram. "De qualquer sorte, se alguma indenização fosse devida, demandaria a efetiva comprovação, já que o dano não se presume."
O recurso da AGU foi encaminhado pelo magistrado de primeiro grau para julgamento nas turmas recusais do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3). No mesmo despacho, o juiz mandou notificar o MPF, a Controladoria-Geral da União (CGU) e o diretor-geral da Polícia Federal sobre a sentença e para tomarem as "providências que entenderem pertinentes". Ele reconhece o risco de que a União seja "novamente demandada", ou seja, condenada em outra ação semelhante.
Delegado de Polícia Federal (PF) desde 2006, Fanton foi recrutado para trabalhar nas investigações da Operação Carne Fraca, que mirou um suposto esquema de fraudes em certificados de qualidade de carnes operado por servidores do Ministério da Agricultura em conluio com os maiores frigoríficos do País.
A temporada de trabalho na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba coincidiu com o auge de outra operação célebre: a extinta Lava Jato. O delegado alega ter testemunhado inúmeras irregularidades nos métodos lavajatistas e foi um dos primeiros a denunciá-los. Fanton afirma, por exemplo, que os policiais, combinados com procuradores, instalavam escutas sem autorização judicial nas celas de presos da Lava Jato. Ele apontou uma lista extensa de crimes supostamente cometidos pelos agentes: denunciação caluniosa, falsa perícia, fraude processual, falso testemunho, prevaricação e associação criminosa.
Após acionar a Corregedoria-Geral da Polícia Federal, o delegado disse que passou a sofrer represálias da própria PF em Curitiba e do Ministério Público Federal (MPF). As denúncias lhe renderam sindicâncias, processos administrativos disciplinares e inquéritos policiais por violação de sigilo funcional. Ele chegou a ser acusado de vazar informações para o ex-deputado André Vargas.
Ao analisar o caso, o juiz Cláudio Roberto Canata chamou atenção para o número de procedimentos abertos contra o delegado e disse que a PF tentou dificultar a defesa dele.
"Impressiona o número de processos administrativos e ações penais instaurados contra o autor, em seguida ao episódio em que foi denunciada a existência de interceptação ambiental na carceragem da Polícia Federal em Curitiba", escreveu. "Considero que houve evidente abuso de direito no comportamento das autoridades que promoveram as medidas disciplinares contra o autor, as quais, por sua vez, desaguaram na abertura de ações penais contra ele."