O salto de meio ponto porcentual da inflação de abril para maio, que atingiu 0,83% segundo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), não surpreendeu o economista André Braz, coordenador de índices de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mas trouxe uma informação importante.
Ao contrário do ano passado, quando a alta de preços estava concentrada em alimentos, neste ano, ela avança e se espalha também para outros grupos: os preços administrados e os bens duráveis.
Apesar da disseminação da inflação, o economista não vê uma situação de descontrole, porque, neste momento, a pressão é resultado de alta de custos. O desafio, diz Braz, está posto para os próximos meses. A seguir, os principais trechos da entrevista.
<b>Como o sr. vê o resultado do IPCA de maio?</b>
A gente já previa uma participação maior de preços administrados na inflação de 2021 e isso vem se concretizando. O mundo está aquecendo e esse aquecimento puxa o consumo de petróleo e derivados, por exemplo. Na esteira tem essa crise hídrica, que tem reflexo direto na geração de energia. Há também aumentos de preços administrados na linha de medicamentos, que alcançaram aumentos mais fortes este ano por força da desvalorização cambial, que afeta os custos de produção.
<b>Está havendo um espalhamento maior da inflação neste ano?</b>
Tem havido uma difusão maior da inflação. Ela continua presente entre os alimentos, sobretudo as carnes, e se espalha para bens duráveis. Então, alimentos, bens duráveis e preços administrados estão subindo mais do que no ano passado. Estão ajudando a difundir essa inflação. O único setor que não foi afetado foi o de serviços porque segue em funcionamento parcial por causa da pandemia e a renda das famílias foi muito afetada pelo desemprego.
<b>O fato de a inflação estar mais espalhada este ano em relação ao ano passado, evidencia um descontrole?</b>
Não seria bem um descontrole porque não é através da demanda que essa inflação vem se espalhando. É através do custo. Para ser considerada descontrolada precisaria de um combustível mais forte que viria da demanda.
<b>Qual a tendência da inflação para os próximos meses?</b>
No segundo semestre, devemos passar para um cenário um pouco melhor, porque esses aumentos recentes na taxa de juros já promoveram alguma valorização do real. E existe uma possibilidade de o Copom fazer mais movimentos de alta da Selic (taxa básica de juros) até o fim do ano. Isso vai contribuir para novas valorizações da moeda, que podem ajudar a enfrentar esse aumento de preços. Se por um lado os preços sobem, por outro a nossa moeda ganha valor e isso ajuda a mitigar o impacto do aquecimento global sobre a nossa inflação. A nossa exposição a uma inflação forte tende a diminuir até o fim do ano. Isso não significa que vamos ter inflação baixa. Podemos ter um IPCA acima de 6%, algo como 6,3%. Mas a desaceleração vai vir com a valorização da nossa moeda.
<b>Qual é a eficácia da alta de juros para conter a inflação hoje?</b>
É muito pequena porque boa parte dessa inflação não vem da demanda, mas de pressões de custos. Existe uma parte da inflação que pode ser temporária, que é a energia. Os outros efeitos estão ligados ao aquecimento da economia mundial. Isso deve sustentar preços em alta por algum tempo.
<b>Qual é o impacto de a inflação ter se espalhado para além dos alimentos?</b>
A inflação neste ano desafia mais as famílias humildes. Todos os preços que estão subindo castigam os que foram mais afetados pela pandemia e os que ficaram mais expostos ao desemprego. Mesmo que a inflação em 12 meses desacelere no segundo semestre, vamos ver essas famílias passando muito aperto, porque o desemprego não vai diminuir da noite para o dia, ainda mais com aumentos de juros. Não vamos ver uma desaceleração rápida nos preços de alimentos e de administrados.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>