Encravada nos pés da Serra da Mantiqueira, no caminho da Estrada Real, em Minas Gerais, a pequena Oliveira Fortes ganhou a primeira escola municipal há dois anos. Mas, com o dinheiro curto, só deu para terminar o prédio, pintar as paredes e colocar os móveis. O resto ficou no imaginário dos professores e alunos, como os portões e grades para cercar a escola, a sala de professores e a quadra esportiva, que ainda se resume a um amontoado de terra e pedra, com troncos de madeira improvisando o gol. O refeitório ficou pronto, mas de tão pequeno alguns alunos são obrigados a comer sentados no chão.
O sonho de expansão da escola parece cada vez mais distante com a penúria do caixa da prefeitura. Com apenas 50 empresas, que empregam 285 pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município é altamente dependente dos repasses governamentais. Até março, 80% do orçamento da cidade, de 2.123 pessoas, vinha do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), repassado pelo governo federal.
A redução desses valores tem um impacto devastador na conta das cidades, cujas despesas estão em ascensão, seja por causa do aumento da inflação ou pelo inchaço da máquina pública. Hoje, Oliveira Fortes não tem dinheiro nem para comprar um rastelo para limpar as ruas. A explicação está nos repasses do FPM – que estão menores em relação a 2014 em termos reais (descontando a inflação) – e na redução da cota parte do ICMS, que caiu 16%.
O quadro não é exclusividade do município mineiro. Prefeituras do País inteiro reclamam da queda dos repasses por causa do ritmo mais fraco da arrecadação. Segundo dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM), até o segundo decêndio de abril, houve uma queda real de 2,01% nos repasses do FPM comparado a igual período de 2014. O desempenho deverá se manter nesse nível até o fim do semestre. No caso do ICMS, a queda acumulada em janeiro e fevereiro foi de 11%, segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Juntam-se a isso atrasos nos pagamentos de alguns programas federais, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e fundos destinados à educação por causa do ajuste fiscal. “O balanço está desequilibrado, pois as despesas não param de subir e os repasses estão minguando. A conta de luz subiu mais de 30%, o preço do combustível aumentou e a folha de pagamento também. Se as prefeituras não enxugarem o orçamento, elas não conseguirão chegar ao fim do ano”, afirma o prefeito da cidade gaúcha de Tapejara, Seger Menegaz, presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs).
Diante da situação, cada cidade faz o que pode para contornar o problema. Algumas tentam buscar recursos com terceiros, outras apostam na redução do horário de funcionamento para diminuir as despesas. Mas as medidas são apenas paliativas. “Fechei no vermelho este mês. Minha receita é da ordem de R$ 60 milhões. Se cai R$ 10 milhões, fico sem fôlego para fazer qualquer coisa na cidade”, afirma o prefeito de Águas de Lindóia, Antônio Nogueira.
Atrasos.
Segundo o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, várias obras estão sendo paralisadas Brasil afora por causa de atrasos nos pagamentos do governo federal, que tem R$ 35 bilhões de restos a pagar aos municípios. “Esse é um problema muito grave, pois está interrompendo projetos e reduzindo investimentos.”
No Rio Grande do Sul, dos 153 municípios que tiveram 357 projetos aprovados no Proinfância PAC II, apenas 43 receberam os valores integrais. As outras 110 cidades têm R$ 172 milhões em aberto com o governo, sendo que 22 delas não receberam nenhum centavo até agora, segundo um levantamento feito pela Famurs.
“Em Viamão, seis terrenos estão prontos e nenhuma obra foi iniciada. Em Caxias do Sul, a prefeitura gastou R$ 1,3 milhão com a terraplenagem de oito creches, mas as obras estão paralisadas por falta de repasse”, Seger Menegaz.
A prefeitura de Curitiba também tem paralisações por causa de atrasos do governo federal. São R$ 10,3 milhões que já deveriam ter sido repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a execução de 24 centros municipais de educação infantil. Sete unidades estavam paradas por falta de recursos, mas havia o compromisso do FNDE de regularizar a situação, segundo a prefeitura. Procurado, o fundo não respondeu ao pedido de entrevista. Até o início do mês, Curitiba também estava com problemas na área de saúde, que sofria com atrasos de até seis meses nos repasses. Neste caso, a situação foi regularizada no início de abril.
“O governo cria o programa, cria as regras e joga para os municípios. Mas os repasses nunca são suficientes para cobrir todas as despesas e as prefeituras têm de complementar o valor. Assim não sobra dinheiro para investir”, afirma o presidente da Associação dos Municípios de Minas, Antônio Carlos Andrada. Segundo ele, das 853 cidades do Estado, 650 têm menos de 15 mil habitantes e são dependentes do FPM.
No Rio, além dos repasses dos governos federal e estadual, os municípios estão sofrendo com a redução dos royalties do petróleo, com a crise da Petrobrás. “Estamos vendo de tudo. Prefeituras demitindo porque não aguentam a folha de pagamento ou reduzindo horário de funcionamento para diminuir custos”, afirma o presidente da Associação dos Municípios do Rio de Janeiro, Anderson Zanon, prefeito de Sapucaia. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.