Em 1964, lembra o cantor Al Jarreau, ele tinha uma Chevy Station Wagon e estava se achando. Tinha conhecido sua primeira mulher, por quem estava loucamente apaixonado, e conseguira uma residência como crooner num lugar em Los Angeles chamado Blah Blah Café.
“Eu também tinha assinado meu primeiro contrato com uma gravadora”, contou ao jornal O Estado de S.Paulo esta semana o veterano cantor, hoje com 74 anos. Era o selo Elektra Records, da Atlantic, que ficava em Burbank, Califórnia. Foi quando conheceu um jovem e talentoso tecladista, George Duke, “que tinha uns 18 ou 19 anos na época”. Quando o dono do Blah Blah Café o contratou, exigiu que ele viesse com uma banda com “caras novas”, e ele pensou imediatamente no jovem que vira tocar. “Ele era brilhante. Tinha um trio, mas topou tocar comigo. No dia do teste, vieram muitas bandas, todo mundo fazendo jam, tocando saxes, trompetes. Quando chegou minha vez, o dono do lugar disse: Esse é o tipo de música que eu quero!.
E aquele foi o começo de uma bela amizade, que durou 50 anos”, lembra o artista.
George Duke, infelizmente, morreu precocemente no ano passado, aos 67 anos. O amigo Al Jarreau, que tem mais de 30 discos, 7 Grammys e uma infinidade de comendas, resolveu parar tudo que estava fazendo para gravar um disco em homenagem ao grande parceiro. My Old Friend: Celebrating George Duke (que tem participações de Gerald Albright, Dianne Reeves, Marcus Miller, Lalah Hathaway, Jeffrey Osborne, Kelly Price, Dr. John e outros), é o motivo que traz Jarreau de volta ao Brasil nesta sexta-feira, 15. Ele canta com sua banda no HSBC Brasil e dia 16 no Rio das Ostras Jazz & Blues Festival.
Jarreau é uma instituição da música internacional. Suas canções, com uma voz macia que fez escola em gerações, ocuparam o dial do rádio do planeta inteiro durante 30 anos no mínimo: Were in this Love Together, Mornin, Boogie Down, Roof Garden, Moonlighting, entre outras.
Para Jarreau, a importância de George Duke (que tocou no Parliament/Funkadelic, foi parceiro de Frank Zappa no Mothers of Invention, integrou a banda de Cannonbal Adderley e ladeou Milton Nascimento, Airto Moreira e outros) só pode ser entendida se olharmos “a totalidade do que ele representava, a filosofia que cercava a abrangência de sua música”, segundo diz. “Ele foi do bebop ao hip-hop, achava beleza em tudo isso. Tocou com Jean-Luc Ponty, com John McLaughlin, também amava a música de Count Basie e Duke Ellington, dialogava com pessoas como Oscar Peterson e Wynton Kelly e compunha temas como Soul Train. George estava presente em toda a música, aquilo de fato é um repertório”, disse o cantor. “Então, esse foi o legado dele: um tipo de alegria que tinha dentro de si que externava com música.”
O crooner conta muitas histórias sobre a amizade durante o show (que também mostrará com todos os seus grandes hits, não tema, leitor!). Uma delas diz respeito às vezes em que Duke baixava em sua casa e ficava até de madrugada, sem se decidir a ir embora. “Tínhamos que colocá-lo para fora, porque na manhã seguinte a gente teria de ir à igreja logo cedo – e ele ia comigo”, diverte-se Jarreau.
“Havia o movimento hippie, a contracultura, a música vibrante de Jefferson Airplane, Big Brother & Co, entre outros. Estávamos no coração daquilo. O jazz era soberano naquele momento na América. George e eu éramos muito jovens. Mas havia também uma estagnação, nada estava acontecendo de novo. O nosso mérito foi capturar o momento, transmitir o que sentíamos por meio da música e dar algo para a plateia responder. Era isso que eu fazia toda noite no palco, assim que abriam as cortinas. Cantávamos muito, ríamos muito e estávamos mudando o universo de um jeito cheio de frescor.”
Em 1985, Al Jarreau cantou na primeira edição do Rock in Rio. Ele ficou boquiaberto ao saber que haverá a primeira edição do festival em Las Vegas, em maio. Sua presença no festival, assim como a de James Taylor, foi alvo de muitas críticas na época, por não roçarem nem de longe as convenções do rocknroll. “Em Paris e Roma, nos anos 70, me acostumei a ouvir música brasileira, me apaixonei por Mas que Nada. Ainda ouço muito aquilo, é uma coisa louca. Fui ao Brasil quando seu país estava explodindo culturalmente e se expandindo para uma nova direção. Vocês faziam uma música que ia além, que incorporava essa louca mistura de R&B, pop e jazz. Amei a música de Ivan Lins assim que a ouvi, assim como Baden Powell, Milton Nascimento, Jobim, Wanda Sá, Sérgio Mendes, todos aqueles que vieram para a América. Quando fui ao Rock in Rio, achei que era uma boa hora para estar a caminho do Brasil. Vocês estavam vivendo uma nova renascença para a música, e o povo tinha, e ainda tem, ouvidos frescos para a música do planeta.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.