Sua voz ecoou na Igreja de Santa Rita de Cássia, no centro de Paraty, e veio logo a certeza da maior razão da existência desta edição do Festival Mimo. Ala.ni, com o acento separando a última sílaba, é um acontecimento centenário, uma estrela a cada três gerações, o potencial de uma Amy Winehouse negra, se é que Amy já foi branca. Cantora inglesa de ascendência caribenha, sua família é de Granada, na América Central, mas sua atuação se dá a partir de Londres.
Ela não estava no palco principal, em virtude da natureza delicada de seu trabalho. Uma igreja com toda a sua acústica giratória e introspectiva seria um local melhor para vê-la, e foi. Mas houve problemas de microfonia puxados pela captação fina de um microfone dos anos 1930 pelo qual Ala.ni está apaixonada. Sua voz de timbre espetacular parece sair de um disco de 78 rotações acoplado a um sistema de som de 2017. É algo poderoso na delicadeza, singelo e gigante.
Ela veio acompanhada apenas de seu guitarrista, Marvin Dolly, que faz a guitarra mais básica que alguém poderia fazer, nos acordes e nos efeitos. Alguém com mais harmonia e o voo seria maior. Dolly faz tudo baixinho, macio e muitas vezes apenas sugerido para receber Ala.ni em uma atmosfera alternativa. Os mesmos que chamam Norah Jones de cantora de jazz vão chamá-la assim, mas será outro engano. Ela tem a voz e também um jeito menina de brincar com o público, trazendo doces do camarim e deixando o palco – no caso, o altar – para cantar por toda a igreja. Sua interpretação corporal – ela passou pela escola de artes dramáticas de Sylvia Young, em Londres, a mesma de Amy – é de muitos braços em movimentos lentos e olhares expressivos de um brilho intenso. O escorregão se dá nos tobogãs que usa em todas as músicas para enfeitar a interpretação, o que os professores chamam de glissando. De tão longos e lentos (ótimo exemplo é o começo de seu hit Cherry Blossom), ela para na curva muitas vezes antes de chegar à nota que queria e fica ali sem perceber. Quando acerta isso, leva seu público ao céu.
A Mimo teve ainda, na noite de sábado (7), shows maiores na praça central, com Baby do Brasil e a cantora malinense Oumou Sangaré. A diretora do festival, Lu Araújo, equilibra os pratos no momento de montar um festival popular sem perder a aura de mostrar a música do mundo que não chegaria tão fácil por aqui. As apresentações da sexta, 6, na primeira noite do festival, tiveram as bandas Liniker e Os Caramelows e As Bahias e a Cozinha Mineira. A última, domingo, teria a portuguesa Teresa Salgueiro.
O circuito de cinema tem sido fortalecido a cada ano, pelo trabalho da diretora Rejane Zilles. Um dos destaques do que já é chamado de “um festival dentro do festival” foi, no sábado (7), a exibição de Clara Estrela, um documentário sobre Clara Nunes dos diretores Susanna Lira e Rodrigo Alzuguir. A aposta foi a de fazer um filme todo narrado por Clara, ou por Dira Paes fazendo sua voz, mas sempre com textos em primeira pessoa retirados de entrevistas. É emocionante e, muitas vezes, revelador, mesmo com todas as lacunas da história de Clara que os diretores se prepararam para aceitar em virtude da proposta. Um belo trabalho.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.