João Gilberto comemora 85 anos nesta sexta, 10, com a mesma discrição que pontua sua carreira desde os anos 1950. Nada de entrevistas para celebrar a data, nenhuma apresentação prevista e nem novo CD. Se João não fala, há quem faça isso por ele, vencendo a barreira do perfeccionismo que impediria o lançamento de qualquer produto.
É o caso dos produtores Todd Barkan e Zev Feldman. Os dois são responsáveis pelo álbum Getz/Gilberto 76, recém-lançado no exterior pela Resonance Records. São os melhores momentos da temporada de uma semana que João fez ao lado do saxofonista Stan Getz em maio de 1976 no clube de jazz Keystone Korner, em São Francisco. O projeto conseguiu passar pelo crivo do cantor.
Barkan era o proprietário e diretor artístico da casa, que funcionou entre 1972 e 1983. Feldman, que dirige a Resonance, vem há meses tentando viabilizar uma edição brasileira do álbum com selos locais, mas as conversas emperraram por questões financeiras. “É uma vergonha que as gravadoras no Brasil tenham de pagar impostos tão altos para lançar um disco. Continuamos tentando encontrar um parceiro, mas está difícil”, diz ele.
Mas a edição internacional do álbum está disponível em lojas virtuais, nos formatos de CD e vinil, e também no iTunes. As versões físicas são luxuosas, repletas de fotos dos shows e de bastidores. Há entrevistas com Barkan e Carlos Lyra e depoimentos de membros da banda que acompanhou João e Getz naquelas noites. Doze faixas entraram na seleção final, além de uma fala em que o saxofonista apresenta seu convidado de maneira certeira. “Para mim, João Gilberto é o cantor mais singular de nosso tempo. Um verdadeiro criador. Sua curiosa habilidade de cantar sem vibratos e seu impecável senso rítmico o fazem único. Ele reluta muito em fazer aparições públicas.”
João e Getz eram velhos conhecidos. Em 1963, gravaram Getz/Gilberto, que seria lançado um ano depois. Com a participação de Astrud Gilberto, esposa de João, e Tom Jobim, o álbum foi um sucesso comercial que deixou a bossa nova globalizada. Durante as sessões de estúdio, ficaram célebres as discordâncias entre o cantor e o saxofonista. Apesar disso, os dois ocasionalmente continuaram a trabalhar juntos ao longo dos anos.
Foi Getz quem teve a ideia de montar a temporada no Keystone. Ele havia acabado de gravar com João e sua então esposa, Miúcha, o álbum The Best of Two Worlds, e queria promovê-lo em shows. “Stan disse várias vezes que o Keystone Korner era seu clube de jazz favorito e dizia a todos que era o melhor do mundo. Ele quis fazer algo bastante especial para nós e, durante os shows, dava pra ver que ele e João se respeitavam acima de tudo. Os dois sabiam que o trabalho feito em conjunto havia sido um marco”, conta Barkan. Joanne Brackeen (piano), Clint Houston (baixo) e Billy Hart (bateria), que já trabalhavam com o saxofonista, foram os músicos convocados para acompanhá-los.
Barkan conta que ficou bem próximo a João durante aquela temporada. O cantor, adepto do diminutivo, passou a chamá-lo nos bastidores de Toddynho – ” achocolatado no Brasil” – e a ter conversas com membros da banda. O baterista Hart se mostrava especialmente interessado na diversidade dos ritmos brasileiros. “Todos nós sabíamos do excesso de timidez de João, mas nesses dias ele estava muito extrovertido e animado, aberto a conversar”.
Em meio a conversas regadas a um drinque e outro, o público parou para ouvir os músicos quando eles entraram no palco. Barkan relata que, em todas as apresentações, a plateia esteve “inacreditavelmente” atenta. Os shows foram gravados em fita cassete diretamente da mesa de som, apenas para arquivo do clube, e passaram por restauração para o lançamento.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.