Alex resgatou as glórias e os dissabores de sua carreira como jogador ao lançar a sua biografia. E vislumbra um futuro novo, começando aos quase 40 anos: ele quer ser técnico de futebol. Em entrevista exclusiva, o ex-meia que marcou mais de 400 gols apontou uma falha que, segundo ele, atinge uma boa parte dos técnicos brasileiros: o discurso ultrapassado. “Acho justo o questionamento (em relação aos técnicos brasileiros). Cabe a quem é treinador se aprimorar. Para mim o grande problema hoje é o discurso. Um discurso dos anos 2000 não cabe mais hoje. A sociedade mudou”.
A seguir, confira os principais trechos da entrevista em que o ex-jogador e agora comentarista da ESPN fala também do Bom Senso FC, de seleção brasileira e da mágoa com Felipão, que não o levou para a Copa do Mundo de 2002.
Agência Estado – Você pensa em ser treinador?
Alex – Penso e um dia pode acontecer.
AE – Mas o que falta?
Alex – Primeiro eu tirar a vestimenta de jogador de futebol, o sentimento de jogador, que é diferente do de treinador. Jogador é individualista, cuida só dele. O treinador cuida de todo um conjunto, monta um time, comissão técnica… Depois, preciso obter as qualificações burocráticas, as certificações. No Brasil você até pode burlar, mas não vou fazer isso. Vou começar os cursos, mas não sei se termino ano que vem, não sei o funcionamento exato do processo burocrático.
AE – Após a derrota do Brasil na Copa (7 a 1), os técnicos brasileiros passaram a ser ainda mais criticados. O que você pensa sobre isso? É justa toda essa contestação?
Alex – Acho justo o questionamento. Cabe a quem é treinador se aprimorar. Para mim o grande problema hoje é o discurso. Um discurso dos anos 2000 não cabe mais hoje. A sociedade mudou. O jogador de futebol é a mesma coisa. Vários treinadores têm o mesmo discurso. É um discurso de quem foi campeão, de quem ganhou um dia. Eu não vejo o treinador brasileiro como ultrapassado, ele entende a cultura do país, mas vejo alguns perdendo espaço pelo discurso, um discurso repetido de uma década atrás.
AE – Entre os técnicos com que você trabalhou, qual mais te inspira?
Alex – O melhor treinador que eu tive foi o Vanderlei (Luxemburgo). Só que o Vanderlei foi meu treinador em 2003 e nós estamos falando em 2015, quase 2016. Com todos eles eu absorvi alguma coisa. Se eu virar treinador, vou usar algo do que absorvi, mas com os modelos de hoje. O treinador precisa de uma metodologia. Vou treinar isso porque quero atingir esse objetivo. O problema (no Brasil) é que as vezes não há tempo, quando ele pode atingir, ele perdeu o emprego. Essa é a dificuldade. Estou curioso para ver o Roger (técnico do Grêmio) ano que vem. O Tite é consagrado, ganhou vários títulos, vai ganhar o Brasileiro a qualquer momento, mas o treinador revelação do Brasil é o Roger.
AE – Por que o Roger?
Alex – O Roger surgiu num Grêmio que o Felipão dizia que ia jogar para escapar da segunda divisão. O Felipão, treinador consagrado, não acreditava no time, achava que aquele Grêmio brigaria embaixo. Aí aparece um Roger, que já tinha dirigido o Grêmio interinamente, aglutina o grupo e coloca o Grêmio na Libertadores.
AE – O Tite é o melhor técnico hoje?
Alex – É o melhor treinador do Brasil, é o que o Telê (Santana) era no início dos anos 90, depois substituído pelo Vanderlei. Se olhar para trás. o que foi o Rubens Minelli, o seu Ênio Andrade, o Muricy… Aí surge o Tite, ele é o cara.
AE – Dois técnicos que trabalharam com você, Felipão e Luxemburgo, estão na China. Esses dois técnicos se enquadram nesse discurso ultrapassado dos anos 90?
Alex – Não digo que o discurso seja ultrapassado, o discurso é o discurso que fez deles dois vencedores.
AE – E não serve mais hoje?
Alex – A aceitação dos moleques hoje é totalmente diferente da nossa época. Se o Felipão me desse um esporro na década de 90 eu me encolhia todo, absorvia o que ele falava e ia tentar fazer. Mas se ele der um esporro hoje num moleque igual ao que ele dava em mim na década de 90, o moleque tá c… para ele. Não tá nem aí porque o sistema hoje favorece o jogador de futebol. O moleque liga para o empresário e fala: pô, o Felipão me deu um esporro, e o cara fala: fica tranquilo, a gente resolve isso, sossegado. O discurso hoje é outro. Eles entendem de bola pra cacete, foram campeões. Foram não, são, o Felipão acabou de ganhar um título, mas o discurso dele… Por exemplo: o auxiliar dele é o Murtosa. O que o Felipão pensa e o Murtosa pensa é a mesma coisa desde que eles se conhecem. E o jogador de hoje não é o jogador da década de 90. O Felipão viveu isso na pele com o time que ele montou em 2002 e com o time que ele montou em 2014, o sentimento é diferente, a aceitação é diferente, a educação é diferente.
AE – Como foi participar do Bom Senso FC jogando futebol?
Alex – Desgastante. Primeiro porque o jogador de futebol quer que o movimento aconteça, mas não quer participar. Ele quer que tenha alguns escudos. O Alex se expunha, o Ceni… Hoje o único que se expõe é o Fernando Prass. O Paulo André já nem consegue se expor de tanta carga que colocaram nele. Mas o movimento tem de acontecer. E o pior não é o jogador, o pior é o treinador porque eles não conseguem se posicionar.
AE – Mas na prática qual foi a conquista do Bom Senso FC?
Alex – A conquista do Bom Senso foi criar uma discussão. Mas discutiu-se muito o calendário e agora surge uma nova Liga com mais um campeonato (Copa Sul-Minas-Rio). A Liga seria boa se fosse um embrião para formar uma Liga nacional. Para que essa Liga Nacional tivesse 4 Divisões e os Estaduais, disputados por equipes menores, desse acesso a essa Liga Nacional.
AE – O presidente da CBF não pode viajar e a entidade que controla o futebol no País está fragilizada. Não seria esse o momento para uma Liga Nacional?
Alex – Entre a CBF e os clubes existe uma coisa chamada Federação, que é envolvida nesse esquema todo. Aposto que tem presidente de federação louco pra que o Del Nero saia para que ele possa assumir a CBF. O legal seria o cara assumir a CBF e falar: este ano não dá mais tempo, mas se organizem porque a partir de 2017 eu, CBF, vou cuidar da seleção, dos meninos até a principal, e vocês, clubes, se organizem para fazer a Liga.
AE – Olhando para a sua carreira, você se sente realizado?
Alex – Eu me sinto porque consegui jogar no meu time, consegui jogar em São Paulo, em Minas, na seleção, consegui jogar num clube europeu, fui artilheiro de algumas competições, joguei contra os melhores da minha geração… Poderia ter ganho mais? Poderia. Mas dentro do que surgiu, fico muito feliz. Estou entre os maiores goleadores de Coritiba, de Palmeiras, do Fenerbahçe, ganhei com a seleção brasileira…
AE – Palmeiras de 99 ou Cruzeiro de 2003? Qual foi melhor?
Alex – O Palmeiras de 99 era muito forte, jogadores consagrados e eu era menino. E o Cruzeiro era o contrário, o jogador campeão era eu. Mas em termos de plasticidade, o Cruzeiro de 2003. Individualmente falando, talvez o Palmeiras de 99 fosse mais forte. Mas aí entra a figura dos dois treinadores, o Felipão era pragmático e o Vanderlei queria ganhar jogando para a frente.
AE – Você não jogou uma Copa porque na sua posição havia Kaká, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, como escreveu Tostão em seu livro, ou porque o Felipão não te levou em 2002?
Alex – O Tostão relata um fato, eles eram Bola de Ouro. A minha não participação na Copa do Mundo (2002) é opção do Felipão, pessoal dele, porque em 2002 o Kaká não era Bola de Ouro. O Felipão aposta no Kaká em detrimento a mim. Talvez, se eu tivesse jogado 2002, tivesse trilhado um outro caminho. Se você me perguntar se me sinto inferior a esse pessoal, eu respondo que não. Acredito que poderia estar em 2002. Eu dividia espaço com esses caras. De 98 a 2002, eu jogo, fico no banco (na seleção). A figura do Kaká surge na última hora. Por isso seleção é preferência do treinador. Podem passar 50 anos e o Felipão não vai me convencer de que o Kaká foi convocado pelo jogo contra a Islândia. O porquê do Kaká, só ele (Felipão) sabe.
AE – Ficou magoado com o Felipão?
Alex – Como treinador, não, mas como pessoa fiquei muito. Vou carregar isso o resto da vida.