Na contramão da melhora de humor global, os juros subiram o dia todo, com máximas à tarde, acompanhando a aceleração da alta dos rendimentos dos Treasuries, mas fatores domésticos também responderam por grande parte da pressão sobre a curva. Ao risco de populismo fiscal soma-se agora o temor de intervenção nos preços de energia, após declarações de ontem do presidente Jair Bolsonaro sobre a bandeira escassez hídrica, remontando a medidas do governo Dilma em 2014, consideradas desastrosas. Na semana de dados fracos de atividade e em que o Banco Central reforçou que fará o que for necessário para colocar a inflação de 2022 na meta de 3,5%, a curva teve forte desinclinação.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 encerrou em 10,20% (máxima), de 10,065% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2027, na máxima de 10,58%, de 10,463% ontem. A do DI para janeiro de 2023 terminou em 9,28%, de 9,15%.
Apesar do forte estresse nos Treasuries hoje, que normalmente pressiona mais a parte longa, a curva local fechou a semana com perda de inclinação. O diferencial entre os vértices de janeiro de 2027 e janeiro de 2023 ficou em 130 pontos, de 142 pontos na última sexta-feira.
Como destaca o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, em relatório, apesar de indicadores mais fracos do que o esperado para a atividade no terceiro trimestre, as expectativas de inflação subiram e os juros, também. "Em boa parte, ajudados pelo rendimento dos títulos do Tesouro americano. Lá, os juros curtos subiram mais do que os longos", afirmou.
No Brasil, a escalada da inflação e as consequências para a política monetária também pesam sobre a curva, mas num contexto de recuperação frágil da atividade, atestada pelos dados frustrantes da semana, como os do varejo e o IBC-Br, que abalam as expectativas para o PIB. Já o Itaú Unibanco reduziu de 5,3% para 5,0% a sua projeção de crescimento em 2021.
O analista de Investimentos Renan Sujii diz que várias pendências estão reforçando os receios com o cenário de inflação, entre elas a questão da energia, agravada pela indicação de Bolsonaro de determinar ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, a reversão da bandeira "escassez hídrica", com a retomada da bandeira normal no mês que vem. Coincidência ou não, o Ministério fará uma reunião na quinta-feira com a Aneel e com a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) para tratar do tema das bandeiras.
A princípio, a fala do presidente pode ser considerada apenas uma bravata, mas o mercado tem viva na memória a intervenção nos preços de energia feita pela presidente Dilma Rousseff em 2014. "Não se sabe até que ponto ele vai levar isso adiante, mas sim qual é o resultado disso. A conta chegou pesada em 2015", disse Sujii. Além disso, há pessimismo sobre os preços de combustíveis, dado que o petróleo não para de subir e o câmbio não acompanha. A solução de reduzir os preços via ICMS, em discussão no Congresso, também não agrada. "Haverá contra ataque dos governadores", afirma o analista.