Após a recuperação, a partir dos anos de 1980, da tortuosa e complexa democracia do Brasil, duas instituições nacionais – a Igreja Cristã e as Forças Armadas – mudaram suas identidades sócio-políticas.
No período anterior, iniciado em 1964, com a deposição, por um golpe militar, do presidente eleito João Goulart, ninguém tinha dificuldade em identificar as Forças Armadas como mantenedora do regime de força no qual os cidadãos não podiam eleger seus representantes, os trabalhadores eram impedidos de reivindicar livremente, através de seus sindicatos, os professores eram submetidos a controle policial, em sala de aula, os jornalistas e escritores tinham seus textos alterados pela censura oficial.
Por sua vez, os religiosos, inicialmente divididos, foram aos poucos se destacando como opositores daquele regime. Embora os golpistas tivessem derrubado Goulart com a justificativa de que estavam preservando a “sociedade ocidental e cristã”. Esta estratégia garantiu a eles o apoio da classe média, mas foi chamada pelo líder cristão Paulo de Tarso Santos, ministro de Educação de Goulart, de “conto de vigário”.
Realmente, bastou a passagem do tempo para provar a falsidade da justificativa dos golpistas. Em
A perseguição aos cristãos, na verdade, foi ainda maior, naquela fase, como somente há poucos dias os brasileiros puderam saber. Através da ONU, o Conselho Mundial de Igrejas, com sede em Genebra, tornou públicos documentos que guardava, havia mais de 40 anos. Estes documentos mostram que, entre os anos de 1968 e 1978, 122 religiosos foram presos, e, 273 leigos, detidos. Entre eles, 34 sofreram torturas.
Durante o papado de João Paulo II, no entanto, a Igreja Católica renunciou às decisões do Concílio Vaticano II que estimulavam a participação na esfera política, enquanto o país se redemocratizava. O afastamento foi mantido por Bento XVI. No âmbito do Protestantismo, expandiram-se as denominações que valorizam o acúmulo de riqueza e a ascensão social, sobretudo, entre os brasileiros da chamada Classe C, recentemente beneficiada pelos programas sociais do Governo Lula. Depois, desabou sobre a Igreja Católica a tragédia dos padres pedófilos.
Quanto aos militares, há uma ainda incipiente tentativa de recompor a imagem das Forças Armadas, dando-lhe ares democráticos. No seu livro “A caserna em versos e rimas”, o major médico do Exército Marcos Estevão dos Santos Moura, por exemplo, critica o que chama de “tirania dos superiores hierárquicos das Forças Armadas”.
A verdade, porém, é que, hoje, as duas instituições permanecem como corpos que procuram suas almas.
Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP