Falta de insumos básicos, como agulha, gaze e esparadrapo, e de vaga na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), suspensão do atendimento no pronto-socorro e espera de até cinco anos por cirurgia. Esta é a realidade enfrentada por hospitais universitários no interior de São Paulo. Segundo gestores das unidades, a estrutura dos hospitais não acompanhou o crescimento da população e houve aumento da demanda com a migração de pacientes que perderam o plano de saúde privado e hoje estão na rede pública.
O Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas, paralisou o atendimento no pronto-socorro adulto e infantil e na UTI pediátrica em maio em razão do excesso de pacientes. O pronto-socorro (PS) infantil ficou fechado por uma semana para novos casos e procedimentos eletivos foram suspensos. O PS adulto fechou por 24 horas, após chegar a 72 macas instaladas onde cabem 28. “Foi uma medida dura, mas necessária, em razão da superlotação”, afirmou o superintendente do HC da Unicamp, João Batista de Miranda.
Um grupo de trabalho do HC investiga a morte da doméstica Marlene de Lourdes Spíndola, de 49 anos, em 26 de maio. A triagem para novos pacientes estava suspensa e ela, com dores no peito, não conseguiu atendimento. Foi levada para um posto municipal, onde morreu de enfarte. “Ela estava mal, com muita dor, e foi mandada de volta”, disse a cunhada Fátima Spíndola, de 59.
Segundo Miranda, quando a doméstica morreu, de 50% a 60% dos pacientes internados eram oriundos do PS. Com a unidade superlotada, houve falta de espaço até para a circulação de médicos e enfermeiros. “Tudo tem limite e tivemos de agir para manter a qualidade do atendimento, que é inegociável. Há risco de que isso se repita. Nossa UTI pediátrica tem capacidade para 10 leitos e hoje está com 14 (os quatro extras são improvisados).” A situação deve perdurar até setembro, quando as obras da nova UTI, com 20 leitos pediátricos, serão entregues.
Pacientes também enfrentam espera e lotação. O funcionário público Argemiro Gonçalves, de 59 anos, que acompanhava sua mulher, Cleusa Gonçalves, de 50, deitada numa maca na entrada do hospital, esperou quatro horas para que ela retirasse um dreno. “É muita gente, está tudo lotado”, disse Gonçalves, morador de Pedreira. Na 30.ª semana de gravidez, de alto risco, Paula de Oliveira, de 26 anos, chegou às 5 horas no HC e foi atendida após seis horas.
Em Sorocaba, o Hospital Regional – referência para 48 cidades e que atende os estudantes da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) para residência – convive com a falta de insumos básicos. Pacientes afirmam que tiveram de comprar fraldas e pomadas.
Não há local para abrigar os doentes após o tratamento. No dia 1.º, Leonilda Batista, de 73 anos, foi colocada de maca na calçada até a chegada da ambulância da prefeitura de Mirandópolis, que a levaria para casa. O veículo municipal tinha seguido para São Paulo com outros pacientes e só voltou à noite.
Em março, a Justiça determinou perícia no Conjunto Hospitalar, que integra o Regional, para apurar denúncias de falta de materiais básicos, equipamentos e de vagas para pacientes que necessitam de serviço especializado, áreas em péssimo estado de conservação e infestação de insetos. A reportagem constatou que pacientes são atendidos em macas, no saguão, por causa da superlotação. A PUC-SP afirmou que os alunos do câmpus de Sorocaba utilizam pouco a estrutura do Conjunto Hospitalar, pois concentram as atividades no Hospital Santa Lucinda.
Na ambulância
No Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, que atende à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão, as pessoas eram atendidas dentro das ambulâncias, do lado de fora, por falta de leitos, macas e de espaço físico na emergência, na madrugada do dia 7. Pacientes reclamam da dificuldade para conseguir atendimento em Ortopedia – há 2,3 mil pessoas esperando na região pelo procedimento, segundo o Departamento Regional de Saúde. O educador social Nilson Gabriel da Costa, de 52 anos, aguarda por uma prótese no joelho há cinco anos. Em nota, o HC informou que há limitação orçamentária para fornecimento de órteses e próteses.
No Hospital das Clínicas de Marília, ligado à Faculdade de Medicina de Marília (Famema), pacientes de radioterapia relatam interrupção do tratamento. “Meu marido faz radioterapia há seis meses, mas ficamos várias semanas sem tratamento porque o equipamento não estava funcionando. Acho que isso prejudica a recuperação dele”, disse a dona de casa Valnete Mariano Lima. A unidade informou que houve paralisação para manutenção preventiva de equipamentos.
A pediatria do Hospital Universitário da Universidade Federal de São Carlos (UfsCar) registrou alta de mais de 60% no atendimento após o fechamento de unidades próximas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.