Em nova audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre violações de direitos humanos em universidades paulistas, alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) relataram ter passado por trotes e humilhações na unidade quando eram calouros do curso.
A CPI foi aberta na Assembleia Legislativa de São Paulo em dezembro, semanas depois de alunas relatarem, em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Casa, terem sido estupradas em festas da FMUSP. Na terça-feira, 13, foi realizada a primeira sessão da CPI após o fim de ano. Os deputados fizeram um acordo para seguir os trabalhos mesmo durante o recesso parlamentar.
O foco dos depoimentos foram os trotes praticados pelos integrantes do Show Medicina, evento realizado anualmente em que veteranos e calouros apresentam um espetáculo teatral para os demais estudantes.
Segundo relatos de alunos, o processo de admissão de um calouro no grupo de organizadores do evento inclui trotes e humilhações. De acordo com relato do estudante Allan Brum de Oliveira, de 23 anos, os calouros são levados para uma sala da faculdade e obrigados a tirar a roupa. Lá, os veteranos jogam bebida alcoólica sobre o corpo dos estudantes mais novos e os obrigam a beber até passar mal.
Os trotes continuam mesmo após os estudantes ingressarem para o grupo. “A escolha de quem passa pelo trote depois de entrar para o Show Medicina pode ser aleatória ou pode funcionar como uma forma de punição, quando alguém faz uma crítica ao show ou quando chega atrasado aos ensaios, por exemplo”, contou Oliveira.
Queda
Ele relatou um trote pelo qual passou em 2012, quando foi obrigado a beber até ficar inconsciente. “O que me contaram foi que, quando não conseguia mais beber sozinho, colocaram um aluno para me dar bebida. Só acordei no hospital, sem um dente e com um corte no rosto”, conta ele, que sofreu uma queda durante o trote.
O estudante Mauro Xavier Neto disse que também é comum os calouros serem “sequestrados” pelos veteranos do Show Medicina para passarem por algum trote. “Eles pegam a gente à força na faculdade, levam para uma sala e mandam todo mundo ficar pelado e alguns simularem o ato sexual com colegas”, disse ele.
Os estudantes disseram ainda que o Show Medicina usa anfiteatros da faculdade para os trotes e também para festas com a participação de garotas de programa.
Morte
Em teoria, os trotes são proibidos na FMUSP desde 1999, quando o estudante Edison Hsueh morreu afogado durante evento da atlética. Com as recentes denúncias de abuso, a faculdade decidiu proibir também as festas na unidade.
A reportagem não conseguiu falar com nenhum representante do Show Medicina ontem. Em depoimento ao Ministério Público Estadual no início de dezembro, um representante do grupo negou que haja violações de direitos humanos no evento e se comprometeu a firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Promotoria para promover as mudanças. O MPE tem inquérito aberto para investigar os abusos. A faculdade diz que apura os casos denunciados pelos alunos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.