Os professores e os alunos do Centro de Formação Musical do Auditório Ibirapuera estão contestando as informações transmitidas à imprensa pela empresa Urbia para justificar a suspensão das aulas do louvado projeto de ensino a jovens carentes existente há quase 20 anos. Conforme o <b>Estadão</b> divulgou na última quinta-feira, a Urbia, empresa privada que gere o Parque Ibirapuera e outros cinco parques da cidade, decidiu suspender as aulas sem prazo de retorno e não renovar os contratos dos professores de um projeto de excelência que tem docentes de renome internacional, como o saxofonista Nailor Proveta e a pianista Debora Gurgel, e que atende a 128 alunos de bairros carentes com idades entre 12 e 18 anos.
Gabrielle Soares, líder da comissão que representa os estudantes, afirma que o diretor da empresa, Samuel Lloyd, tem assumido diante da mídia um discurso diferente do que foi dito em reunião aos jovens do projeto. "As declarações de Samuel são totalmente diferentes do que ele mesmo nos passou na última terça-feira. Ele disse que a escola teria as aulas suspensas por falta de verba e que estava buscando patrocinadores para o Parque e o centro de Formação", diz. "Todos propomos inclusive a ajudar a divulgação da escola em nossa página de Instagram criada para isso para atrair esses patrocinadores. Mas, quando vimos nas matérias, a posição era outra."
Outro argumento do diretor é de que as aulas online "não estavam dando certo" e que os alunos não conseguiriam estudar por não terem instrumentos em casa. Um levantamento pedido pela reportagem apontou que, dos 128 jovens, apenas 27 não têm a posse do instrumento. E, ainda assim, os que não têm, segundo Gabrielle e os coordenadores dos cursos, muitos contam com instrumentos emprestados por amigos e professores. "Nunca estivemos tão unidos", diz Gabrielle. "Alguns professores disponibilizaram instrumentos próprios para eles, possibilitando seus estudos", diz o pianista Amador Longuini, um dos coordenadores da escola.
Longuini contesta o argumento de que a pandemia teria obrigado a Urbia a suspender as aulas. Ele cita cursos de música de instituições clássicas, como o da EMESP (Escola de Música do Estado de São Paulo) e do Conservatório de Tatuí. "Essas e outras escolas estão funcionando online, algumas de forma híbrida, mas nunca interromperam as aulas. Como ele explica isso?" O coordenador lembra que a escola do Ibirapuera tem 14 salas grandes, e que seria totalmente possível fazer um esquema de revezamento para as aulas.
A Urbia enviou um e-mail para o <b>Estadão</b> depois dos questionamentos feitos por alunos e professores. O texto não responde às perguntas feitas pelo jornal, sobre a comparação com outras escolas que seguem com aulas, como Tatuí e a EMESP (que segue com 15% de aulas presenciais e 85% de aulas online), nem sobre seus discursos diferentes assumidos em reunião com alunos e professores (falta de dinheiro da empresa) e à mídia (pandemia, inadequação de sistema de aulas online e impossibilidade de se deixar os alunos levarem instrumentos para casa). A nota diz o seguinte:
<i>"A Urbia, gestora do Parque Ibirapuera e mais cinco parques da capital paulista, informa que, apesar da suspensão do projeto pedagógico até que a pandemia da Covid-19 permita uma volta segura das aulas presenciais, vai promover atividades online com os alunos da escola no segundo semestre, seguindo sugestão dos próprios alunos. Durante o período os estudantes continuarão recebendo a bolsa-auxílio. A Escola de Música do Auditório Ibirapuera foi projetada por Oscar Niemeyer no subsolo do edifício, sem nenhuma janela de ventilação natural, climatizada por ar-condicionado. Assim que a concessionária assumiu a gestão em outubro de 2020, se propôs a dar continuidade ao projeto pedagógico no primeiro semestre de 2021, que estava suspenso desde o início da pandemia. Informa ainda que a tentativa de adaptação para aulas online apresentou diversos desafios como a necessidade de uso de instrumentos pelos alunos, inadequação do sistema online contratado pela Urbia e a evasão de quase 30 alunos no período. A Urbia reafirma, assim, seu compromisso e prioridade em garantir a saúde e segurança dos alunos e professores."</i>
A reportagem levou ao conhecimento dos alunos e professores o conteúdo da nota antes de publicá-la. Ao assumir a escola, em outubro de 2020, as aulas não estavam interrompidas, como diz a empresa, mas com aulas ministradas em esquema de revezamento, uma vez por semana, com alunos separados por naipes (metais, madeira, base rítmica, etc). Sobre a falta de ventilação, alunos e estudantes voltam a falar na possibilidade de revezamento e apontam de novo para as 14 salas do complexo, além de uma área de convivência.
Gabrielle, estudante de piano com uma dicção e fluência de pensamento impressionante, tem 15 anos e vive em Cidade Ademar, no zona sul de São Paulo. Ela diz que a Urbia não comunicou a realização de nenhum curso online como forma de suprir a falta de aulas no período da suspensão sem prazo de retorno. E fez um desabafo indignado em áudio sobre o argumento de que a evasão dos jovens durante a pandemia seria por falta de adaptação ao ensino online: "Além de ter causado problemas psicológicos a colegas meus que nunca foram a um psicólogo, a pandemia obrigou muitos deles a trabalhar para comer mesmo. Eu conheço quase todos eles, os meninos falam isso pra mim. A questão dos que não seguiram em frente não está ligada à adaptação ao online, mas ao mundo que, mais uma vez, não nos favoreceu."