O governo do Líbano está sob fogo cerrado. Acusado de negligência na explosão que matou mais de 150 em Beirute, na terça-feira, 4, e à beira de uma crise humanitária, após a destruição de estoques de comida e remédio, o comando do país enfrenta a fúria da população, que marcou para este sábado, 8, um protesto no centro da capital. Sob pressão, o presidente libanês, Michel Aoun, disse nesta sexta, 7, que a tragédia pode ter sido causada "por intervenção externa", citando a hipótese de "um míssil".
"É possível que tenha sido causado por negligência ou por uma ação externa, com um míssil ou uma bomba", declarou Aoun, três dias após a catástrofe. Foi a primeira vez que uma autoridade mencionou a hipótese de uma causa externa ter provocado a explosão. Até o momento, a versão mais verossímil era a de que a tragédia teria sido provocada por um incêndio em um depósito de nitrato de amônio.
Ontem, ex-funcionários do porto e membros do governo admitiram que cerca de 40 sacos de fogos de artifício vinham sendo estocados no porto, no mesmo hangar onde estavam 2.750 toneladas de nitrato de amônio, material usado em fertilizantes e bombas, altamente explosivo. Muitos acreditam que a carga tenha causado o primeiro incêndio, que provocou a explosão.
A carga de nitrato de amônio havia sido confiscada de um navio russo, havia seis anos. Desde então, de acordo com documentos oficiais, por pelo menos dez vezes, autoridades da alfândega, agências de segurança e militares manifestaram preocupação com o fato de o estoque estar armazenado de maneira inadequada em uma área muito próxima do centro da capital. A inércia do governo agravou a crise de confiança da população com o Estado.
Ontem, Aoun, de 85 anos, no poder desde 2016, disse ter sido informado do estoque de nitrato de amônio há três semanas – e garante que ordenou que os militares resolvessem o problema. O presidente libanês afirmou também ter solicitado ao seu colega francês, Emmanuel Macron, imagens que determinem se havia aviões no espaço aéreo ou mísseis no momento da explosão. "Caso os franceses não tenham estas imagens, vamos pedir a outros países", disse Aoun, que rejeitou uma investigação internacional.
Quem também vem se esforçando para se distanciar da tragédia é o Hezbollah, milícia xiita que está presente em vários setores da sociedade libanesa e faz parte da coalizão de governo. O grupo exerce certo controle sobre do porto, fundamental para suas operações de contrabando de mercadorias de várias partes do mundo e recebimento de armas do Irã.
O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, alertou ontem para o perigo de considerar o grupo responsável pela explosão, acusando os críticos de tentarem levar o Líbano a uma "nova guerra civil". "Se vocês quiserem começar uma guerra em razão desse acidente, não chegarão a lugar nenhum. A resistência é maior e mais forte do que esses mentirosos que desejam provocar uma nova guerra civil", disse Nasrallah. "O Hezbollah nunca teve nada no porto, nenhum armazém, nada."
Até agora, 20 pessoas foram presas, a maioria funcionários do porto. Ontem, houve mais uma prisão, desta vez do diretor da agência de alfândega do Líbano, Badry Daher. No entanto, segundo fontes do Exército, "dezenas" de pessoas estão sendo investigadas por negligência.
O maior desafio da autoridades agora é restaurar a capacidade do porto, por onde entra a maior parte das importações – o Líbano importa cerca de 80% do que consome. A tragédia, que deixou dezenas de desaparecidos e cerca de 5 mil feridos, também afetou os hospitais, que perderam 500 leitos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) – no momento em que o país enfrenta a pandemia de coronavírus.
Para agilizar o envio de ajuda, Macron falou ontem com o presidente americano, Donald Trump, por telefone. Os EUA reservaram US$ 15 milhões em comida e medicamento suficientes para suprir as necessidades de 50 mil pessoas por três meses. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>