Depois de dois anos de internação, morreu nessa quinta, 7, no Rio, aos 58 anos, o ator Guilherme Karam. Ele tinha a síndrome de Machado-Joseph, doença degenerativa hereditária rara, que lhe foi passada pela mãe, já falecida, e que provoca grave dano neurológico, comprometendo permanentemente a capacidade motora. Até o fechamento desta edição, ainda não havia informações sobre velório e enterro.
O ator, conhecido nacionalmente por seus papéis no humorístico TV Pirata, dos anos 1980/1990 (atualmente reprisado pelo Viva), começou a sentir os efeitos da síndrome há 11 anos, quando de seu último trabalho na TV, na novela América, da amiga Glória Perez.
Ele era filho do almirante Alfredo Karam, que integrou o ministério no último governo do regime militar, de João Figueiredo (1979-1985) e acompanhou o filho até o fim da vida, mesmo já tendo 90 anos.
O ator estava internado desde 2014 no Hospital Naval Marcílio Dias, unidade que atende militares da Marinha e seus familiares, e só se comunicava com os olhos – foram os únicos movimentos que haviam lhe restado.
Karam se manteve o tempo todo lúcido, mas não conseguia mais falar. Deprimido por sua condição, evitava receber visitas nos últimos anos. O pai era a companhia mais constante. Ele acreditava que o filho, cujos personagens cômicos haviam feito sua fama, tivesse perdido por completo “a alegria de viver”.
“A doença faz perder movimentos, deglutição, fala, mas a cabeça permanece lúcida. É de cortar o coração saber que meu filho percebe o que ocorre com seu corpo”, declarou o militar em entrevista no ano passado. Antes de Guilherme, o almirante viu morrer a mulher e dois filhos em decorrência da mesma doença. Ele tem mais uma filha com a síndrome.
Incurável, a doença de Machado-Joseph é causada por uma mutação genética e acomete duas pessoas em cada cem mil. Os sintomas iniciais, como a alteração do equilíbrio e da coordenação motora, que impedem a locomoção, a dificuldade na fala e na deglutição, começam a ser percebidos de forma sutil. Em geral, quando o indivíduo tem entre 35 e 50 anos. Depois das primeiras manifestações, o prognóstico de vida é de 25 anos, em média, com perda total da qualidade de vida e maior suscetibilidade a infecções.
Karam começou a senti-los aos 47, quando vivia o cubano Geraldito em América, e ficou impossibilitado de seguir trabalhando. A progressão da doença o levou à cadeira de rodas. Nessa quinta, 7, a autora Gloria Perez lamentou a perda numa despedida emocionada: “Meu melhor e mais querido amigo. Todos conhecem a dimensão do artista que ele era: múltiplo, intenso, completo. Mas muito poucos sabem o tamanho do ser humano, a alma delicada, solidária, capaz de grandes e generosos gestos. Amigo mais do que amigo – irmão”, escreveu no Facebook.
O primeiro papel de Karam na TV Globo foi em 1984, em outra novela de Gloria: Partido Alto, escrita em parceria com Aguinaldo Silva. Em 1988, estreou em TV Pirata, com amigos como Débora Bloch, Diogo Vilela, Luiz Fernando Guimarães, Regina Casé, Cláudia Raia e Ney Latorraca, entre outros.
“Ele não mantinha contato com mais ninguém, não tínhamos informações. Eu mandava boas vibrações de longe. Foi um sofrimento tão grande o que o Karam passou, que é difícil de comentar. Foi um alívio para ele”, disse Diogo Vilela.
“Eu perco um irmão, amigo da minha geração, um grande ator. Agora, eu reconheço ainda mais como ele era bom, preparado, versátil. Como disse Miguel Falabella, é uma pena que ele não tenha pego a fase dos espetáculos musicais, porque tinha uma voz linda e fazia aula de canto”, lamentou o ator.
O maior destaque de Karam na TV Pirata foi como Zeca Bordoada, o apresentador grosseiro da TV Macho – um contraponto ao famoso TV Mulher – que urinava em pé no palco, só falava aos berros, andava armado e repetia o bordão “eu sou é muito macho!”.
Em 1990, Karan fez outro papel cômico bem popular, na novela de Cassiano Gabus Mendes Meu Bem, Meu Mal: o obsessivo mordomo Porfírio, apaixonado pela “Divina Magda”, personagem de Vera Zimmerman.
O público infantil o conheceu em Super Xuxa Contra o Baixo Astral (1988), em que Xuxa vivia uma apresentadora de televisão que convoca as crianças para pintar muros pichados, e Karan era o Baixo Astral, um ser que habitava os esgotos e era seu antagonista na trama.
Ney Latorraca o conhecia há 38 anos – fizeram parte do elenco do filme O Grande Desbum (1978), de Antonio Pedro – e não o via desde 2005. “Era não só um grande ator, mas um artista plástico incrível. Eu não estava sabendo da doença”, disse o ator. Incentivada por Karam no começo da carreira (eram vizinhos em Ipanema, e ele era conhecido de seu pai), a atriz Debora Lamm ressaltou sua generosidade. “Karam era uma referência no humor, um gigante. Para a minha geração, que cresceu assistindo à TV Pirata, um ícone.”