Mundo das Palavras

Amores rústicos

O caso mais chocante foi, sem dúvida, o de Pasolini. Cuja morte ainda não foi completamente esclarecida, subsistindo até mesmo hipótese de crime político. No entanto, o enredo e o cenário dela não deixam dúvidas. Pier Paolo, cineasta, poeta e escritor, aos 53 anos de idade, estava, sem dúvida, à caça do parceiro sexual de seu gosto. Alguém selvagem, primitivo, disputado também por outras pessoas, refinadas como ele. Quando parou seu Alfa Romeo no Bar Gambirus, da Piazza dei Cinquecento, em Roma, e, convidou para jantar, um jovem de 17 anos. Giuseppe Peloso era ladrão de carros, fichado na Polícia. Após jantarem, Pasolini revelou seus desejos. Os dois discutiram. E Pelosi o assassinou. 
 
Amor rústico semelhante passou a ser almejado também onde menos se esperaria, em 1971, no Rio de Janeiro. Graças à excêntrica ricaça Beki Klabin, cultivadora daquele gosto. Desde que saíra de seu casamento com o empresário Horácio Klabin – atlético, charmoso e discreto. Para viver com Hosmany Ramos, que abandonou a carreira de cirurgião plástico para se dedicar a roubo de aviões, contrabando, sequestro e até assassinatos.  
 
Beki viveu dois anos com ele. Até Hosmany roubar todas as suas jóias. Depois disto iria se envolver com outro homem, sem tendência nenhuma à criminalidade mas muito distante dos luxos de seu ambiente. Waldik Soriano  “ícone da música brega, criticado pelos intelectuais e amado pelas plateias populares”, segundo o respeitado Dicionário Cravo Albin da MPB. Numa fase em que ele desfrutava de projeção nacional. Waldik tinha gravado uma composição sua com versos como “Eu não sou cachorro, não, para viver tão humilhado. Tu só sabes maltratar-me”.  Antes fora lavrador, engraxate, garimpeiro, peão e motorista de caminhão.  Até  criar um público fiel, de baixa renda, em pequenas cidades do interior do País. Para o qual cantava na frente das telas dos modestos cinemas que ele mesmo contratava quando chegava a estes locais. Apresentava-se com roupas, chapéu e óculos escuros – um Durango Kid, de circo mambembe. Numa imitação do mocinho dos filmes a que ele assistia, em sua cidade, Caetité, no sertão da Bahia.
 
Com este repertório e esta performance, Waldik foi levado por Beki para apresentação na casa noturna mais sofisticada do Rio de Janeiro, a Flag, palco habitual de Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Sarah Vaughan. O show de Waldik foi agendado ali, naquele sufocante período da Ditadura Militar como “uma piada para milionários entediados, uma espécie de atração de safári fotográfico pelo subúrbio”, anotou o escritor Renzo Mora. Mas as grã-finas que foram vê-lo, depois de beberem muito, começaram a desejá-lo sexualmente. A ponto de, no dia seguinte, Sergio Bitencurt publicar em sua coluna no jornal O Globo: “Foi uma loucura. De repente virou histeria. Gente que, sinceramente, eu nunca pensei, entregou-se”. Na sua autobiografia, o próprio Waldik contou: “A festa chegou ao máximo. Tirei o paletó, abri a camisa e subi no piano. As grã-finas vinham me cumprimentar, abraçando-me, beijando-me. Uma delas, quando me beijava boca-com-boca, língua-com-língua, deu-me uma sensação de loucura tão grande que caímos ali no meio do salão”. 
 
Renzo Mora anotou: “Reputações quatrocentonas devem ter desmoronado. Casamentos estremeceram. Namoros viraram pó. Beki Klabin passou a ser alvo da inveja de suas pares”. Ele completou: “A piada da noite era Waldick. Mas ele riu por último”.
(Na ilustração: foto de Beki Klabin) 
 

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