A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vai contratar de graça empresas para medir a qualidade da internet fornecida pelas teles. A decisão vai gerar economia para o órgão regulador. A polêmica em torno do assunto foi revelada pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) em dezembro.
Tudo começou no ano passado, a Anatel havia iniciado a análise de um processo de contratação de uma empresa – por até R$ 17,8 milhões, por dois anos, prorrogáveis por 60 meses – para verificar a qualidade do serviço de internet das operadoras. O problema é que as próprias teles já haviam criado, há nove anos, um aplicativo que cumpre essa função, com custo anual de R$ 2 milhões, e por determinação da mesma Anatel.
Mesmo com esse aplicativo, o relator original do caso e presidente do órgão regulador, Leonardo Euler de Morais, havia justificado em seu voto que as obrigações do regulamento de qualidade dos serviços da agência justificavam a necessidade da contratação.
Para isso, Morais havia proposto que a fiscalização dos serviços de internet prestados pelas teles fosse feita de três formas: drive test (realizado por meio de equipamentos do tipo scanner, instalados em veículos, com capacidade para aferir potência do sinal, área de cobertura e outros indicadores); crowdsource (coletiva e automática, via software instalado em computadores e telefones de usuários que derem consentimento prévio); e benchmarking internacional (para comparação dos dados com os de outros países).
No voto do presidente, as três formas de medição deveriam ser prestadas por uma única empresa. A controvérsia surgiu nesse ponto, pois havia suspeita de que apenas uma empresa, a P3 – consultoria alemã com representação em São Paulo e que mudou recentemente o nome para Umlaut – teria condições de disputar a concorrência, considerando os três critérios propostos pelo voto de Morais. Na época da publicação da reportagem, a Anatel informou ser "inverídica" a informação de que apenas uma empresa poderia participar da disputa e mencionou a possibilidade de formação de consórcios para a disputa.
Na quinta, o conselheiro Carlos Baigorri, relator do voto-vista, trouxe sua análise para o Conselho Diretor. Ele propôs reformular a disputa, pois uma das empresas consultadas pela Anatel, a OpenSignal, ofereceu o serviço de crowdsource de forma gratuita para o órgão regulador.
"Devo destacar que a proposta de contratação de uma parte do objeto a custo zero concilia a necessidade de evolução da agência em matéria de medição de qualidade, mas também leva em conta o cenário fiscal pelo qual o País atravessa", disse Baigorri, em seu voto.
Com a oferta da OpenSignal, o conselheiro pediu a reformulação da concorrência pela Anatel, de forma que os outros dois serviços – drive test e benchmarking internacional – possam ser contratados com empresas diferentes. Ele manteve o valor da contratação em até R$ 17,8 milhões, mas pediu à área técnica que avalie a possibilidade de ampliar o escopo do drive test.
Submetida ao Conselho Diretor, a proposta de Baigorri foi aprovada por 3 votos a dois – o dele, de Morais e de Emmanoel Campelo. Votaram contra os conselheiros Moisés Moreira e Vicente Aquino.
"No meu voto, acompanho a proposta do presidente em declarar conveniente e oportuna a contratação dos três produtos. Entretanto, tendo em vista as novas informações trazidas pela área técnica nos autos, entendo ser conveniente e oportuno que a Anatel consiga acesso à plataforma de crowdsource de forma gratuita", afirmou Baigorri, ao Broadcast.
Segundo ele, a proposta final atende ao interesse público e permite aumentar a concorrência na licitação. "Será necessário reavaliar a formatação da contratação, porque anteriormente a proposta era contratar todos os produtos de um mesmo fornecedor. Até onde eu tenho informação, quem oferece um dos produtos de forma gratuita não oferece os outros dois", acrescentou.
Baigorri disse ainda que será possível ampliar o alcance dos testes com a nova proposta aprovada. No voto original, seriam realizadas apenas duas campanhas de coleta de drive test no período de duração do contrato, totalizando 100 municípios cobertos, menos de 2% do total no País. Ele ressaltou que se apenas as capitais e municípios maiores fossem escolhidos, 60% da população não estaria abarcada em tais testes. Agora, será possível abarcar também pequenos municípios, quase sempre os que mais sofrem com a baixa qualidade dos serviços.
<b>Histórico</b>
Um representante da antiga P3, atual Umlaut, esteve na sede da Anatel em fevereiro do ano passado para apresentar seus produtos e serviços ao Conselho Diretor. O evento ocorreu no mesmo dia em que executivos das principais teles estiveram na agência reguladora. A situação gerou desconforto, já que poderia gerar a interpretação de que o órgão regulador estaria recomendando o trabalho da empresa às operadoras.
Sócio e administrador da atual Umlaut no Brasil, Erick Monfrinatti Cogliandro foi procurado pela reportagem. Ele disse que não acompanhou a decisão de ontem e informou que ainda não sabe se a companhia vai participar da futura concorrência.
<b>Aplicativo</b>
Desde 2011, por determinação da própria Anatel, as teles já oferecem uma opção para medição da qualidade do serviço da internet, disponível no app Brasil Banda Larga e no site brasilbandalarga.com.br, oferecidos pela Entidade Aferidora da Qualidade de Banda Larga (EAQ).
O software da EAQ permite aos usuários de banda larga fixa verificar latência, velocidade instantânea e média. Os dados também são enviados e acompanhados pela Anatel. Representante das teles, o presidente do Sinditelebrasil, Marcos Ferrari, disse que tomou ciência da decisão e que vai monitorar os próximos passos desse processo.