Um dos mais importantes poetas parnasianos do Brasil, Olavo Bilac (1865-1918) era um homem vaidoso – para disfarçar o estrabismo, usava um pincenê e só se deixava fotografar de perfil. “Seu ego vivia inflado, mas busquei sua humanidade para construir o personagem”, conta André Dias, que interpreta o escritor em Bilac Vê Estrelas. Artista sensível, além de diretor (é responsável por Vingança, inspirado em canções de Lupicinio Rodrigues), Dias já coleciona grandes interpretações, baseadas nos detalhes, e o poeta parnasiano é uma delas.
“João (Fonseca, o diretor) planejou uma comédia física, por isso, eu me inspirei no cinema mudo e sua simplicidade. Mais especificamente, busquei ajuda em um dos meus comediantes favoritos, Buster Keaton”, conta o ator, referindo-se a um dos gênios do cinema que, ao lado de Charles Chaplin, fazia tudo acontecer diante dos olhos do público, sem cortes. Keaton, de fato, foi um dos primeiros a desenvolver uma linguagem visual no cinema – seus olhos, aparentemente impassíveis, eram coreografados.
“Procurei criar uma configuração física baseada naquele ar desenvolto do Keaton, especialmente quando Bilac tenta (e não consegue) esconder a vesguice”, explica André Dias, confessando se sentir privilegiado por participar de um musical com canções especialmente compostas para o espetáculo. “Isso ajudou a moldar o personagem.”
De fato, um dos grandes trunfos de Bilac Vê Estrelas é a qualidade das letras e melodias das 15 canções criadas por Nei Lopes. A ideia de convidar o compositor e pesquisador foi de Ruy Castro. “Mais conhecido como sambista, Nei fez toda a trilha à base de maxixes, xotes, quadrilhas francesas, valsas, modinhas, fados, polcas, etc., menos sambas – porque o samba ainda não existia em 1903, quando se passa a história”, conta o escritor.
Convidado, Lopes aceitou de imediato. “Sou filho do século 19”, brinca o compositor. “Quando menino, costumava escutar minha mãe cantando enquanto passava roupa e cuidava da casa. Eram canções de Sinhô, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Anacleto de Menezes, autores que me inspiraram quando escrevi para o musical”, conta Lopes, também estudioso da cultura afro-brasileira.
De posse de um alentado resumo do texto da peça preparado pelas autoras Heloisa Seixas e Julia Romeu, o compositor se debruçou sobre a obra. “Heloisa e Julia me forneceram um excelente material, com indicações onde cada canção deveria entrar. Com isso, ficou mais fácil tocar o trabalho”, conta Lopes que, especializado em fazer jingles publicitários, não se sentiu incomodado com o tamanho da tarefa. “Cheguei a compor 18 canções e eles escolheram 15.”
Inicialmente, a melodia seria composta por Marcos Valle que, por conta de outros compromissos, não pode assumir a tarefa. “Foi quando o Ruy me ligou, dizendo: Se você compôs a letra, pode também criar a música. No fundo, ele sabe que todo letrista sempre tem, no íntimo, uma melodia para cada canção”.
Mesmo sem saber ler ou escrever partituras, Nei Lopes não se fez de rogado – com um gravador à mão, cantou cada uma das 15 músicas e enviou as gravações por MP3 para o arranjador e diretor musical Luís Felipe de Lima, que traduziu em cifras todas as melodias. “Cantei devagarinho para não deixar dúvidas sobre as notas”, conta Lopes.
O resultado final já é uma pequena obra-prima – Lopes capta com precisão o período e o espírito cultural da então capital brasileira e seus pontos clássicos, como a Rua do Ouvidor e a Confeitaria Colombo. Conta também curiosidades, como a famosa falta de habilidade de Bilac como motorista: “Pisou fundo na tábua / E enchendo mesmo o pé / Como quem pisa e mata / Uma barata, um salalé. / Aí, o bicho brabo incorporou Ogum / Saiu em ziguezague / Relinchando, dando pum”.
Completam o elenco Alice Borges, Andrea Dantas, Reiner Tenente, Gustavo Kelin, Saulo Segreto, Jefferson Almeida, Claire Nativel e Augusto Volcato. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.