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Antes do sucesso global, Whitehead lançou livros com boa repercussão nos EUA

Quase duas décadas antes de The Underground Railroad, o livro que elevou o alcance de Colson Whitehead ao nível global, ele estreava na ficção com A Intuicionista – livro de 1998 que chega ao Brasil agora pela primeira vez, no mesmo mês em que o norte-americano de 48 anos é uma das principais atrações da 16ª Festa Literária Internacional de Paraty, realizada entre os dias 25 e 29 de julho.

Embora tenha lançado outros livros nos EUA em registros diferentes, Whitehead usa nas duas obras citadas um expediente parecido: elementos de fantasia se imbuem na história, sem se afastar de temas sociais, políticos e históricos.

Em A Intuicionista, o escritor cria um mundo muito parecido com o mundo real, mas no qual elevadores ocupam um papel central na sociedade. Na história, situada no século 20 logo após o fim da segregação racial, o Departamento de Inspeção de Elevadores de uma cidade que não é exatamente Nova York entra em colapso quando um acidente derruba um elevador em queda livre num prédio central. A protagonista, Lila Mae Watson, é a primeira mulher negra a ocupar o posto de inspetora no Departamento. Além disso, ela é de uma escola crescente, mas ainda minoritária, chamada Intuicionismo – que, diferentemente dos Empiristas, são capazes de intuir o funcionamento e eventuais falhas nos elevadores, num tipo de estudo sensorial e pós-racional.

O acidente, raridade na história do desenvolvimento das máquinas de ascensão, ocorre às vésperas da eleição na Associação dos Elevadores, quando os grupos intuicionistas e empiristas se enfrentam. A busca pela resolução do caso, uma suposta sabotagem da qual Lila Mae se torna a principal suspeita, conduz a narrativa do livro com tintas de romance policial.

As premissas parecem delirantes, mas a prosa segura de Whitehead segura as rédeas da história pelas 317 páginas.

Em 2001, John Updike escreveu na New Yorker que o romance era “surpreendentemente original e elegante”. Na resenha do The New York Times na época do lançamento do livro, o escritor Gary Krist compara o que Whitehead faz com elevadores ao que Thomas Pynchon fez com os correios em O Leilão do Lote 49: usar um sistema recriado ironicamente como uma metáfora para uma maneira totalmente nova e radical de reestruturar a realidade aceita.

O livro, que contém elementos de paródia, mas não se limita a ela, deve isso à sua “exploração ambígua e ampla da luta racial e das dinâmicas do progresso social. A ideia de elevação física, é claro, tem um significado metafórico óbvio no contexto, e Whitehead se aproveita bem disso, encaixando seu tema como uma disputa entre concepções antagônicas de como melhor elevar as pessoas de um nível para o próximo”, escreve Krist.
O fato de Whitehead ter escolhido escrever sobre elevadores de maneira “aleatória”, segundo o próprio, é apenas mais uma das camadas de ironia que cercam o romance.

“Eu estava tentando fazer um romance policial, e me pareceu uma ideia estranha transformar uma inspetora de elevadores em detetive. Tentei descobrir que tipo de habilidades uma profissão dessa contribuiria para a narrativa policial, e na verdade foi nenhuma (risos). Então, o mistério se transformou e tive que criar esse mundo falso de elevadores, com escolas, leis específicas, etc. Tentei construir um mundo, como se fosse um romance de ficção científica, fazer uma proposição absurda e transformá-la numa história”, diz Whitehead, por telefone.

“A escolha dos elevadores foi aleatória, quando comecei nem tinha pensado nas metáforas com a cidade, com elevação. Na escrita, descobri esses novos significados para elevação, verticalidade… Então, passou de uma espécie de romance policial para uma metáfora real da cidade, de relações sociais.”
Leitor de Gabriel García Márquez, ficção científica e fã ávido de filmes B de terror, Whitehead acredita muito no poder da fantasia como ferramenta ficcional. “Como escritor, seu trabalho é escolher a ferramenta certa para o trabalho. Pode ser fantasia, pode ser humor… Ao crescer lendo ficção científica, terror e realismo mágico, sempre me pareceu natural usar as ferramentas desses gêneros”, explica.

Whitehead volta agora ao Brasil depois de 20 anos de sua primeira viagem ao País, de onde saiu decidido a se tornar escritor. Ele soa genuinamente animado, e ri ao contar da burocracia para tirar o vistos da família, ele, a mulher e dois filhos.

O autor volta consagrado como uma das vozes mais criativas e originais da literatura norte-americana, uma lista de prêmios em seu nome e reconhecimento internacional. “Da minha última vez em Paraty, lembro de estar com gripe, não ter muito dinheiro, comer pão e salame o dia inteiro. Agora é bom voltar em um estado de espírito diferente. Volto como um escritor, e não como um projeto de escritor.” O projeto brasileiro de Whitehead, felizmente, deu certo.

A INTUICIONISTA
Autor: Colson Whitehead
Tradutora: Caroline Chang
Editora: HarperCollins Brasil (320 p., R$ 39,90; R$ 29,90 e-book)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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