Acumulando polêmicas nos últimos anos, o Aberto da Austrália está deixando para trás seu apelido de "Happy Slam", ou o "Grand Slam feliz", para se tornar o torneio da tensão e das trapalhadas. Nesta segunda-feira, noite de domingo pelo horário de Brasília, a tradicional competição terá início envolta num incomum clima pesado dentro e fora das quadras, independentemente da presença de Novak Djokovic nos jogos.
O "climão" começou a ser construído na semana passada, quando o tenista sérvio anunciou que havia recebido uma "permissão médica especial" para competir na Austrália. Houve incômodo geral no país, não sem motivo. O governo australiano impôs um dos lockdowns mais rígidos do mundo ao longo da pandemia de covid-19 e alcançou quase 80% da população com a vacina. Mas agora permitia que uma celebridade do esporte entrasse no país sem comprovar que estava imunizado.
A suspeita de que o número 1 do mundo estava sendo beneficiado também foi compartilhada pelos tenistas. Afinal, 97% do Top 100 do ranking masculino se vacinou contra a covid-19. Djokovic foi um dos raros a não tomar o imunizante. Alguns se vacinaram a contragosto apenas para poder participar do Aberto da Austrália.
"Ninguém realmente pensou que poderia vir para a Austrália sem estar vacinado e sem seguir os protocolos. É preciso muita ousadia para fazer isso e colocar o Grand Slam em risco", criticou o grego Stefanos Tsitsipas, número 4 do mundo. "Ele está jogando pelas próprias regras. E isso faz a maioria de nós parecer tolos."
O húngaro Márton Fucsovics, 38º do ranking, e o português João Sousa, 140º, reforçaram o desconforto geral. "A saúde das pessoas é primordial e houve regras que foram definidas há vários meses. Uma delas era que todos deveriam se vacinar e Djokovic não o fez. Neste ponto de vista, ele não tem o direito de estar aqui", disse Fucsovics.
"O que está a acontecer não é bom para o tênis. Consigo colocar-me no lugar dele e entender aquilo pelo qual está a passar, percebo que é aquilo em que ele acredita, mas é uma atitude um bocadinho egoísta para com os colegas de profissão. Ele contornou as regras e, para todos os outros jogadores, não é uma decisão fácil de aceitar", disse Sousa.
Nenhum tenista da chave do torneio se manifestou publicamente em favor do sérvio. O climão no vestiário deve se repetir nas arquibancadas, acostumada a receber a festa da empolgada torcida australiana. Pesquisas mostravam nesta semana que a maior parte da população é a favor da deportação do líder do ranking, apesar de toda a sua popularidade no país. Djokovic é o recordista de títulos do Aberto da Austrália, com nove troféus.
A antipatia cresceu porque o sérvio teve seu visto cancelado duas vezes desde que desembarcou em Melbourne, no dia 6. E recorreu duas vezes à Justiça local. Da primeira, venceu. O segundo julgamento será neste domingo, a poucas horas do início da competição. Outras duas pessoas, uma tenista e um treinador, tiveram o visto cancelado pelos mesmos motivos de Djokovic. Mas voltaram para casa sem apelar à Justiça.
Toda a confusão começou com a decisão do sérvio em não tomar a vacina. Mas a Tennis Australia, a federação australiana de tênis, também contribuiu. A entidade que organiza o Aberto da Austrália havia informado aos tenistas que uma infecção recente pela covid-19 seria o suficiente para obter a "permissão especial" obtida por Djokovic. Mas o governo australiano há havia alertado a entidade, em novembro, de que isso não seria aceito como justificativa. Foram duas cartas enviadas à federação, uma delas escrita pelo próprio ministro da saúde, Greg Hunt.
Se não bastasse a trapalhada na comunicação com os tenistas, a Tennis Australia surpreendeu ao colocar o jogo de estreia de Djokovic para segunda-feira. Assim, se permanecer no país, o sérvio terá breve intervalo entre uma audiência judicial e a partida da primeira rodada. E sem poder treinar nos dois dias anteriores porque estava detido num hotel especial.
Não foi a primeira vez que a federação criou polêmica entre os tenistas. Em 2021, ainda sem as vacinas, o motivo foi a rígida quarentena imposta a quase todos os atletas. A grande maioria não pôde deixar a "bolha". Tenistas afirmavam que estavam numa "prisão". Mas os mais badalados foram beneficiados, incluindo o próprio Djokovic. Ele, Rafael Nadal e Naomi Osaka, por exemplo, puderam se preparar na cidade de Adelaide, com menos restrições.