A cena se deu em agosto de 1967. O menino completava 10 anos e o pai lhe entregou um violoncelo. A experiência musical do filho mais velho de João Gerônimo limitava-se, então, ao canto orfeônico obrigatório na escola. O presente veio, naturalmente, acompanhado de surpresa; de uma explicação: as orquestras cariocas precisavam de instrumentistas de cordas; e da informação de que as primeiras aulas já estavam marcadas.
Agosto de 1967. Se levarmos em conta que o menino da história chama-se Antonio Meneses e viria a ser um dos maiores músicos da história do país, a data ganha importância. Em 2017, serão 60 anos de vida. “E cinquenta de violoncelo”, ele lembra ao Estado, durante conversa na última quarta-feira. “Estou sempre fazendo balanços, é algo que faz parte de quem eu sou. Mas em uma data como essa, é natural repensar algumas coisas. E olhar também para o futuro”, ele explica.
O próximo ano vem carregado de projetos para Meneses. Mas o público de São Paulo tem, antes, três chances de ouvir o violoncelista mais uma vez de perto. Neste domingo, no Parque do Ibirapuera, segunda e terça, na Sala São Paulo, ele participa do encerramento da temporada da Cultura Artística, atuando como solista da Orquestra Gulbenkian, de Portugal, regida pelo maestro Lawrence Foster. No parque e na segunda, o programa tem o Concerto para Violoncelo do francês Lalo; na terça, o Concerto para Violoncelo nº 1 do russo Shostakovich.
As peças são duas velhas conhecidas de Meneses. O concerto de Lalo, após um período de enorme popularidade, caiu no ostracismo. Mas tem no músico um de seus mais ferrenhos defensores. “É uma peça muito bem feita, combinação de uma escrita dramática com ecos do folclore espanhol, que tanto interessava os franceses no final do século 19”, ele explica. Já Shostakovich, lembra o músico, é um pilar da escrita para violoncelo no século 20. Seu concerto foi escrito para Mstislav Rostropovich. Exige enorme virtuosismo.
Mas Meneses vai além. A técnica exemplar, reconhecida tanto pelo júri de concursos como o Tchaikovski como por maestros do naipe de Herbert von Karajan e Claudio Abbado, nunca foi para o músico um fim em si mesmo. Está a serviço da peça – e de sua arquitetura. “O Shostakovich tem dois longos movimentos rodeados pelo primeiro e o quarto, mais breves. Nessa região central, é preciso entender e dosar a emoção, a intensidade, construir um arco.”
Celebrações
A atenção de Meneses à lógica interna da partitura, da qual saem leituras extremamente pessoais, fica evidente tanto nos grandes concertos quanto nas miniaturas que compõem seu novo CD, recém-lançado na Europa pelo selo Avie, com as sonatas para violoncelo solo de Cassadò e Kodály e, deste último, a Sonata para Violoncelo e Violino, gravada ao lado de Claudio Cruz. Os dois são antigos parceiros de música de câmara. E, nos últimos tempos, com Cruz se dedicando à regência, o trabalho conjunto alçou novos voos. Há dois anos, lançaram um CD com os concertos de Elgar e Hans Gál, gravado com a Royal Norther Sinfonia. E é com o mesmo grupo que eles abrem, em janeiro, a série de comemorações pelo duplo aniversário do violoncelista.
“Vamos gravar os concertos de Schumann, Saint-Säens e as Variações Rococó, de Tchaikovski, conta Meneses. “São obras fundamentais e achei interessante, nesse momento, gravá-las, oferecer um retrato de como as vejo.” O registro está marcado para janeiro, no norte da Inglaterra. E, em seguida, Meneses volta ao Brasil para outros projetos: além de aulas na Oficina de Música de Curitiba, um disco com o pianista e compositor André Mehmari, que está escrevendo uma suíte para o violoncelista, além de arranjos de música brasileira. No segundo semestre, Meneses toca também com a Osesp: faz o concerto de Dvorák com a maestrina Nathalie Stutzmann e, antes das apresentações, vai interpretar as seis suítes para violoncelo de Bach. Já com a Filarmônica de Minas Gerais, fará a estreia brasileira do concerto de Hans Gal.
Some à lista turnês marcadas pelo Japão e pelos Estados Unidos e os compromissos como professor na Itália e na Suíça e, então, você terá uma ideia do que espera Meneses em 2017. A pergunta é inevitável: às vésperas dos 60 anos, qual o balanço da carreira e o que imagina para o futuro? “Para mim, fazer balanço significa tentar enxergar e entender o que você pode e deve fazer melhor e o que está bem. Eu hoje me deparo com duas perguntas: é isso que eu quero fazer? Quero diminuir o ritmo?”. A resposta, diz ele, em ambos os casos, parece ser sim. “É difícil ter 100% de certeza, mas eu gostaria de acalmar um pouco. Seria interessante encontrar uma forma de seguir tocando sem viajar tanto, sem o cansaço que isso implica.” É um desafio, completa Meneses.
ANTONIO MENESES
Auditório Ibirapuera. Parque do Ibirapuera. Domingo, 6, 11h. Grátis. Sala São Paulo. Pça. Julio Prestes., 2ª e 3ª, 21h. De R$ 50 a R$ 390.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.