A etapa de Saquarema da WSL (Liga Mundial de Surfe), vencida pelo brasileiro Filipe Toledo, deixou uma marca muito mais importante na cidade carioca do que apenas um evento esportivo de porte mundial. Atenta à questão da sustentabilidade, a entidade de surfe, em parceria com a ONG Eco Local Brasil, entregou à prefeitura local 20 bancos feitos com materiais reciclados coletados no evento.
Além disso, a principal mensagem deixada pela passagem da etapa foi de que, sim, um evento esportivo desta magnitude pode acontecer sem agredir o meio ambiente, algo que vai ao encontro dos pilares da WSL. Além de ter reaproveitado os 450 kg de lona de comunicação visual, cerca de 1,2 tonelada de lixo reciclável foram recolhidas no evento em ações promovidas pela liga.
"A gente tem como um dos pilares de posicionamento dentro da WSL e isso transforma a sustentabilidade em uma obrigação. É claro que temos de usar a audiência da WSL para conscientizar as pessoas de serem mais sustentáveis e de como fazer isso no dia a dia. Mas nada mais exemplar quando fazemos um evento de intervenção na natureza, que é o caso das etapas, a gente trabalha para causar o menor impacto negativo possível, causando um impacto positivo", afirmou Ivan Martinho, CEO da WSL Latin America, em entrevista ao Estadão.
O CEO ainda aproveitou para explicar o processo de produção e doação dos bancos, que contou com uma antiga parceira da WSL, a Ong Eco Local Brasil, que desde 2019 realiza ativações ao lado da liga em busca de diminuir os impactos das etapas em Saquarema.
"A gente encontrou junto da ONG Eco Local a tecnologia de retrabalhar as lonas de comunicação visual e poder transformá-las em algum objeto. Havia a possibilidade de transformá-las no que fizemos em 2019, quando produzimos lixeiras. Mas achamos que poderíamos ir além. E a Prefeitura de Saquarema comentou que existiam várias áreas renovadas que a população pedia bancos. E tivemos a ideia de ao invés de fazer lixeiras produzirmos bancos. E o pessoal da ONG, usando a tecnologia do plastimadeira, fez. E em parceria com eles, transformamos 450 kg de lona em 20 bancos que foram doados. Não são apenas os 20 bancos, foi mais dar o exemplo, que criou um novo padrão para eventos", explicou Ivan Martinho.
O "presente" deixado pela WSL e pela ONG Eco Local Brasil foi muito bem recebido pela população da cidade e por sua prefeitura, que reconheceu a importância da ação.
"Tivemos a maior estrutura da história das competições em todo o planeta, montada em Saquarema. Foram mais de 3 mil m2 de área construída e 1,2 toneladas de lixo recolhidos em nossas praias. Firmamos um compromisso com a WSL com o objetivo de impactar o mínimo possível o meio ambiente. Receber esses bancos produzidos com o plástico recolhido durante o evento só reafirma esse compromisso de cuidar, cada vez mais, das nossas praias em total respeito à natureza", afirma a Prefeita de Saquarema, Manoela Peres, do DEM.
Em uma empresa onde a sustentabilidade é o "trabalho", a WSL ainda conta com um órgão separado da entidade para auditar as ações da liga e ainda realizar outras ativações independentes na causa ambiental, a WSL PURE.
"Era a área de sustentabilidade da WSL, mas percebemos que isso precisava ser independente para poder auditar os eventos da liga. Ela virou uma ONG com iniciativas e recursos próprios. A WSL Pure (Protect Understand Respect Environment) tem uma série de iniciativas próprias e recomendações em nossos eventos. Dentro das ações, eles apoiam outras ONGs, com doação de recursos, não somente nos lugares em que fazemos eventos" explica Ivan Martinho.
O CEO ainda vai mais longe e explica que a preocupação com o meio ambiente acaba sendo algo intrínseco ao surfe, uma vez que é um esporte totalmente ligado e dependente da natureza.
"Surfistas de um modo geral frequentam a praia todos os dias, com isso, naturalmente, têm uma preocupação com a limpeza porque aquele é o lugar deles, eles não querem viver no lixo. Se a limpeza for depositada na bancada (no mar), isso pode destruir a onda. Não é apenas uma questão de ideologia, é uma questão do esporte poder acontecer. O surfista tem essa legitimidade e faz isso. Esse é o exemplo que a gente compartilha. Outra coisa que a gente faz, com apoio de patrocinadores, é o replantio de restinga, muitas vezes com convidados, com a comunidade local, os atletas, que postam nas redes sociais para espalhar esse exemplo e assim criamos essa cultura de cuidar da praia e do meio ambiente, naturalmente chamando os olhos das pessoas para serem fiscais nossos. Imagina só: Uma liga que fala tanto do assunto cometer uma falha? A gente não pode errar, temos de dar o exemplo.", disse Martinho.
"A gente sempre pensa em como podemos trabalhar em conscientizar nossa audiência, que é gigantesca no mundo todo. Sustentabilidade tem a ver com o que eu, você e todos fazemos. É como mudar os hábitos do dia a dia. Então uma das vertentes é usar nossa audiência para isso. A sustentabilidade não é parte do nosso trabalho, é o nosso trabalho. Faz parte do dia a dia. A gente tenta passar para funcionários, empresas parceiras, e nem sempre é barato. Essas ações custam. Mas olhamos no valor, não no custo. E acaba virando nosso ponto de trabalhar com empresas sustentáveis e ficar atentos a oportunidades como essa de Saquarema, de como podemos tirar proveito dessas ideias para dar exemplo, não só pro surfe, mas para todos os esportes que dá para ser sustentável", concluiu o CEO em conversa com o Estadão.
A PARTICIPAÇÃO DA ONG ECO LOCAL BRASIL
Do outro lado da parceria encontra-se a ONG Eco Local Brasil, que há 20 anos atua em causas ambientais, como a limpeza de praias e oceanos. Desde 2019 atua ao lado da WSL nas etapas que a liga realiza em Saquarema. O dirigente da ONG, Filipe Pedroso de Oliveira, explicou como a ligação com a WSL se deu e as diferenças que encontrou ao trabalhar com a liga de surfe.
"Existe um real interesse em reaproveitar esses materiais, que infelizmente são realizados no evento dessa proporção. O segundo ponto é o interesse da organização deixar um legado, algo palpável para o público e a comunidade local. Quando encontramos eventos com essa pegada ficamos muito felizes e não medimos esforços para isso acontecer", seguiu.
"A ONG é considerada a mais ativa no combate ao lixo marinho no País. A gente chega a retirar 140 toneladas de resíduo marinho por ano, mas esse trabalho está bem escondido. Quando temos oportunidade de mostrar nosso trabalho como esse, essas ações ganham destaque também", disse Filipe em conversa com o Estadão.
As oportunidades de ampliar este trabalho em outros eventos não é tão abundante, uma vez que outras empresas e produtores de evento não entendem as ativações como um investimento, uma necessidade, tornando ainda mais importante a parceria com a WSL.
"Nossa maior dificuldade é fazer com que os produtores de evento, as empresas entendam isso como um investimento, não como um trabalho socioambiental que uma ONG realiza porque ela precisa trabalhar. Como ONG a gente presta serviço, usamos nosso maquinário, que custou um investimento, auditar tudo isso, todos esses processos. Nosso desafio é que as pessoas valorizem isso como uma necessidade, não como uma bandeira sustentável. A WSL entendeu isso em 2019 como um compromisso e uma necessidade", finalizou.