Na ação civil pública que apresentou contra o que chamou de "marketing de lacração" do Magazine Luiza, o defensor Jovino Bento Júnior argumentou que o programa de trainees exclusivo para negros anunciado pela empresa pode configurar racismo ao "excluir deliberadamente trabalhadores em função da cor da pele ou de sua etnia". Para sustentar a tese, Jovino citou um tuíte de Sérgio Camargo, atual presidente da Fundação Palmares que já definiu o movimento negro como "escória maldita" e disse, em mais de uma ocasião, que não apoia a agenda de consciência negra.
Já no trecho da ação em que pede que a Magalu seja condenada à pagar indenização de R$ 10 milhões por danos morais, o defensor diz que "cidadãos negros podem se sentir ofendidos e diminuídos (com o programa de trainee), porquanto entre eles há os que pensam que a medida da ré pressupõe certa incapacidade".
Além disso fala em "miscigenação": "pode-se imaginar – dada a característica de miscigenação de nossa nação – situação em que a pessoa, embora não se caracterize como negro o pardo, tenha cônjuge e filhos negros ou pardos. Nesse caso, a negativa de oportunidade de trabalho a este não negro atingirá os interesses dos negros que compõem o seu núcleo familiar exclui deliberadamente trabalhadores em função da cor da pele ou de sua etnia".
Na peça de 55 página enviada à Justiça do Trabalho, o defensor público alegou que o programa da Magaline Luiza "não é medida necessária – pois existem outras e estão disponíveis para se atingir o mesmo objetivo -, e nem possui proporcionalidade estrita – já que haveria imensa desproporção entre o bônus esperado e o ônus da medida, a ser arcado por milhões de trabalhadores".
Inclusive, pouco antes de citar Camargo, que é alvo de diversas representações e ações judiciais por sua postura ante o movimento negro, Jovino chega a dizer que a inclusão social das populações afrodescendentes – de todo salutar e desejável -, deve se dar dentro dos parâmetros legais, sem representar discriminação e violação de direitos dos demais trabalhadores.
O Ministério Público do Trabalho em São Paulo já havia indeferido, há cerda de duas semanas, 11 denúncias em que a varejista era acusada de promover "prática de racismo", uma vez que, nas palavras de um dos denunciantes, "impede que pessoas que não tenham o tom de pele desejado pela empresa" participem do processo seletivo.
No entanto, para a Procuradoria, a política da empresa é legítima e não existe ato ilícito no processo de seleção, já que a reserva de vagas à população negra é plenamente válida e configura ação afirmativa, além de "elemento de reparação histórica da exclusão da população negra do mercado de trabalho digno". Essa exclusão, segundo o Ministério Público, se traduz na falta de oportunidades de acesso ao emprego, na desigualdade de remuneração e na dificuldade de ascensão profissional, "quando comparado aos índices de acesso, remuneração e ascensão profissional da população branca".
<b>Racismo reverso</b>
Logo nas considerações iniciais da peça, Jovino chega ainda a citar o racismo reverso, mas o defensor se limita a dizer que a ação não tem como objetivo "querer debater a tese da existência ou não" do mesmo.
No inicio do ano, o juiz João Moreira Pessoa de Azambuja, da 11ª Vara de Goiânia, frisou em decisão que o conceito de racismo reverso é "equívoco interpretativo" indicando que não há sentido entender que a lei teria a finalidade de proteger os grupos majoritariamente brancos contra discriminação.
"Nunca se fez necessária a adoção de políticas afirmativas para as pessoas brancas, por não existir quadro de discriminação histórica reversa deste grupo social nem necessidade de superação de desigualdades históricas sofridas por pessoas brancas", disse ainda o magistrado na ocasião.
<b>Reação</b>
O Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União (DPU) emitiu nota técnica repudiando a ação civil movida por Jovino. Dentro da entidade, o processo contra a empresa provocou forte mal-estar entre defensores, que classificaram a medida "péssima" e "muito constrangedora".
A nota técnica assinada por onze defensores afirma que a ação movida por Jovino Bento "não reflete a missão e posição institucional da Defensoria Pública da União quanto a defesa dos direitos dos necessitados". "Mais que isso, contraria os direitos do grupo vulnerável cuja DPU tem o dever irrenunciável de defender", aponta.
<b>COM A PALAVRA, A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO</b>
Nota de esclarecimento sobre a política de cotas raciais
Brasília – A Defensoria Pública da União (DPU), representada pelo defensor público-geral federal em exercício, Jair Soares Júnior, esclarece que a atuação dos defensores públicos federais se baseia no princípio da independência funcional (artigos 134, § 4º, da Constituição, 3º e 43, I, da LC 80/94). Por isso, não depende de prévia análise de mérito ou autorização hierárquica superior. É dever da Administração Superior lutar pela observância interna e externa da independência funcional de seus membros, prerrogativa exercida em garantia dos assistidos da DPU.
É comum que membros da instituição atuem em um mesmo processo judicial em polos diversos e contrapostos e, por isso, é fundamental o respeito à pluralidade de pensamentos e à diferença de opiniões. Contudo, a representação judicial e extrajudicial da Defensoria Pública da União e a coordenação de suas atividades é atribuição do defensor público-geral federal (artigo 8°, I e II, da LC 80/94).
A política de cotas constitui-se em forte instrumento para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Dessa forma, deve ser incentivada como forma de reduzir vulnerabilidades.
A realização da igualdade material perpassa a eliminação de barreiras estruturais e conjunturais que possam impedir o cidadão vulnerável de realizar plenamente seu potencial. Nesse contexto, é imprescindível a adoção de ações positivas por parte do Estado e da sociedade civil.
Como instituição constitucionalmente encarregada de promover o acesso à justiça e a promoção dos direitos humanos de dezenas de milhões de pessoas, a DPU apoia e incentiva medidas do poder público e da iniciativa privada que proporcionem redução de carências e de vulnerabilidade. Com o mesmo objetivo, a Instituição defende, de forma intransigente, a independência funcional de seus membros, prerrogativa voltada à boa atuação do membro em favor do assistido da instituição.