Aos 86 anos, Doris Monteiro celebra 70 anos de carreira em comemoração virtual

Em 1951, quando lançou seu primeiro compacto pela gravadora Todamérica, a carioca Doris Monteiro foi surpreendida por uma crítica publicada em um jornal que sentenciou: o disco era péssimo. O autor do texto ainda aconselhava a jovem artista, àquela altura com 16 anos, a voltar a estudar, pois como cantora não teria sucesso algum. "Chorei muito. Fiquei aborrecida. Levar uma crítica assim logo no primeiro trabalho é duro, não é?", conta a cantora hoje, aos 86 anos.

Acontece que uma das faixas do compacto, o samba-canção Se Você Se Importasse, de autoria de Peterpan, ficou seis meses na parada de sucesso e tornou Doris conhecida do Brasil todo. Quatro anos depois, o mesmo crítico daria a ela o prêmio de melhor cantora.

Essa é apenas uma das tantas histórias que Doris tem para contar de uma carreira que chega a sete décadas. Para comemorar a data, ela ganha uma celebração virtual neste sábado, 27, às 20h, que será transmitida dentro do Festival #ZiriguidumEmCasa, via YouTube.

Entre os convidados que se apresentam cantando músicas que Doris gravou, estão Marcos Valle, compositor recorrente na discografia da cantora nos anos 1960, Joyce Moreno, Patrícia Alví, João Cavalcanti, Claudio Lins, Sônia Delfino, Roberta Sá, Marcos Sacramento, Carol Saboya, Ricardo Silveira, Moyseis Marques, entre outros. Claudette Soares e o jornalista Rodrigo Faour, além da própria homenageada, darão seus depoimentos.

"De repente, passaram-se 70 anos. Cantei em diversos países como Portugal, Japão e Argentina. Fiz cinema. É uma carreira maravilhosa. Eu sou uma mulher feliz. O Ruy Castro (jornalista e pesquisador) me disse que sou a única cantora que fez 70 anos de carreira na ativa", diz.
A marca é incrível, porém é possível acrescentar mais alguns anos a ela. Isso porque Doris começou a cantar muito cedo. Quando criança, dizia que queria ser "canteria", para desespero do pai português, faxineiro de um prédio em Copacabana, que sonhava com a filha médica ou advogada.

Quem deu um empurrãozinho no sonho da menina foi uma vizinha que, ao escutá-la cantarolando em casa, sugeriu que ela fosse ao programa Papel Carbono, que Renato Murce comandava na Rádio Nacional. Nele, como o nome indica, os calouros faziam um cover de algum sucesso da época.

Como a voz de Doris não se parecia com nenhuma outra cantora que fazia sucesso à época – entre elas, as irmãs Linda e Dircinha Batista, Dalva de Oliveira e Isaurinha Garcia -, a mãe dela, sempre atenta aos passos da filha menor de idade, sugeriu que ela cantasse em francês. A estreia diante de um microfone foi com a canção Boléro, sucesso de Lucienne Delyle. Ganhou o primeiro lugar.

A voz suave, sem a impostação e os vibratos tão característicos da maioria dos cantores daqueles tempos, caiu muito bem para os sambas-canção mais românticos da fase pré-bossa-nova, movimento do qual ela pode ser considerada uma das percussoras.

Doris conta que começou a cantar desse jeito quase que por intuição, mas também por um conselho que recebeu de um jogador do Vasco, Maneca, quando tinha 13 anos.

"Um dia ele estava conversando com meu pai, que se afastou um pouco. O Maneca, então, me disse: Se você conseguir convencer seu pai a te deixar cantar, não deixe de ouvir Dick Farney, Lúcio Alves e Nat King Cole. Comecei influenciada por eles", conta.

Em 1955, outro compacto, com Dó-Ré-Mi, de Fernando Cesar, de um lado, e Se é Por Falta de Adeus, de Tom Jobim e Dolores Duran de outro, a colocou na parada novamente. Os arranjos ficaram a cargo do iniciante Jobim.

Da amiga Dolores ela lembra de uma conversa em especial. Certo dia, na casa da compositora, Doris perguntou se ela não estava fumando muito. "E daí? Não posso fumar?", respondeu Dolores. "Pode, mas não vai te fazer mal?", falou Doris, avessa ao fumo. "Você não fuma, você não bebe, mas você vai morrer igual a mim", rebateu Dolores. A compositora morreu, em 1959, aos 29 anos, de ataque cardíaco.

Pouco antes de a bossa-nova estourar, em 1958, Doris gravou o samba Mocinho Bonito, de Billy Blanco, cheia de suingue, que entrou para a trilha do filme De Vento em Popa, um dos oito em que ela atuou.

Mais uma vez, por intuição, Doris entrou no chamado "balanço", ou "sambalanço", como o gênero defendido por nomes como Miltinho, Walter Wanderley e Orlandivo ficou conhecido mais para frente. "Nunca tinha gravado nada parecido. Fiquei insegura, mas vi que tinha um balanço dentro de mim", conta.

Nos anos 1970, ela continuou no suingue com gravações de canções como A Feira, Coqueiro Verde, De Noite na Cama e Garota do Pasquim. São discos cultuados, nos quais algumas cantoras beberam na fonte.

No começo dos anos 2000, Paula Lima reviveu com sucesso É Isso Aí, música de Sidney Miller, que Doris defendeu no Festival da Canção de Juiz de Fora em 1971. A música foi derrotada por Casa no Campo, de Zé Rodrix e Tavito, mas se tornou sucesso na sua voz.

Já Roberta Sá, uma das convidadas da comemoração, pescou Alô Fevereiro para seu disco Que Belo Dia Pra Se Ter Alegria, de 2007.

<b>No palco</b>

Quando os shows foram proibidos por causa da pandemia, Doris havia acabado de lançar, ao lado das cantoras Claudette Soares e Eliana Pittman, o álbum As Divas do Sambalanço. A ela coube músicas como os sambas Mancada e Diz Que Fui Por Aí e a bossa Balanço Zona Sul. A ideia era a de que o show rodasse por várias capitais brasileiras.

Também havia participado do álbum Copacabana – Um Mergulho nos Amores Fracassados, última produção do musicólogo Zuza Homem de Mello (1933-2020), interpretando Fecho Meus Olhos… Vejo Você, faixa lado B daquele primeiro compacto, gravado em 1951, que ficou esquecida diante do sucesso de Se Você Se Importasse.

Nos planos havia ainda a gravação de um álbum solo novo, o primeiro depois de muitos anos, só com composições de Marcos Valle (leia mais nesta página). Com produção de Thiago Marques Luiz, o trabalho traria sucessos como Com Mais de 30, além de uma faixa inédita.

Doris diz que nem pensa em parar. Assim que tudo voltar ao normal, quer subir ao palco novamente. Além do público que a acompanha há décadas, fica feliz por se apresentar para novos fãs que procuram seus shows e discos.

"Eu tenho um fã, o Téo, que tem 17 anos. Assistiu a um show acompanhado da mãe e começou a me acompanhar. Tenho outros tantos na faixa dos 20 anos. Esse é o maior troféu da minha vida. Sempre procurei acompanhar as novidades. Não gravo rock ou sertanejo porque não são a minha praia, mas não parei no tempo", acrescenta.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

Posso ajudar?