O juiz Fernando Bardelli Silva Fischer, da Vara da auditoria da Justiça Militar e Cível de Curitiba, determinou nesta sexta, 3, a soltura imediata do Policial Militar Marcos Salvati, preso disciplinarmente por ter deixado de evitar que um colega agredisse adolescentes durante ocorrência em Palmas, município a 375 km da capital paranaense. A decisão se deu em razão da lei sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 27 que extingue prisão disciplinar para policiais e bombeiros militares no Brasil.
O PM deixou a detenção horas após Fischer ter concedido o habeas corpus, na tarde desta sexta, 3. Ele estava detido desde o dia 23 de dezembro, quando se apresentou ao 3º Batalhão da Polícia Militar do Paraná para cumprimento de prisão disciplinar de 21 dias. Sem os efeitos da lei sancionada por Bolsonaro, o PM seria posto em liberdade no próximo dia 13.
"Com a publicação da Lei 13.967/2019, a possibilidade de prisão por infração disciplinar militar foi extinta do ordenamento jurídico pátrio. Assim, tonaram-se ilegais as prisões de militares em decorrência de decisões administrativas", diz o despacho de Fischer.
A lei sancionada por Bolsonaro nos últimos dias de 2019 foi aprovada no Senado no início de dezembro. Trecho do texto que alterou o Decreto-Lei 667, de julho de 1969, da ditadura militar, aponta: "As Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares serão regidos por Código de Ética e Disciplina", diz o texto.
Segundo a norma, Estados e o Distrito Federal terão 12 meses para regulamentar as mudanças e implementar o Conselho de Ética e Disciplina Militares, por lei específica.
No entanto, ao analisar o pedido da defesa de Salvati, Fischer registrou que a necessidade de edição de leis e atos normativos complementares não pode ser oposta aos que se encontram reclusos por força de medida extirpada do ordenamento jurídico.
"Eventual condição de eficácia da Lei válida e vigente não obsta a imediata colocação em liberdade daqueles que estão submetidos à medida hoje considerada ilegal.", disse o magistrado.
A transgressão grave de Salvati
A prisão de Salvati foi determinada no dia 10 de dezembro pelo Comandante Geral da PMPR Péricles de Matos. O chefe da corporação paranaense considerou como transgressão disciplinar grave a conduta do PM durante ocorrência em 14 de outubro de 2009, no bairro de Santuário, em Palmas.
Na ocasião, Salvati e outro PM, Cesar Silério dos Santos, atuaram em um caso de perturbação do sossego e embriaguez envolvendo menores de idade por solicitação de membros do Conselho Tutelar de Palmas.
Segundo os autos do Conselho de Disciplina, durante o atendimento, Salvati teria visto Cesar agredir dois rapazes, sem adotar medidas para cessar os atos.
O caso chegou ao Ministério Público do Paraná, que, em 2010, denunciou César, Marcos e três conselheiros tutelares por tortura, abuso de autoridade e omissão. Segundo a peça de acusação, as agressões do PM César tiveram início após um rapaz questionar o fato de o policial ter quebrado, com cassetete e chutes, um equipamento de som e um de DVD.
O MP-PR diz que o rapaz e o outro adolescente que estava no local foram imobilizados, algemados e agredidos com chutes e golpes de cassetete, inclusive na cabeça. A acusação menciona ainda agressões a uma mulher e a outros dois jovens – um deles teve afundamento no crânio e perdeu 40% da visão do oho esquerdo por conta dos golpes, segundo a Promotoria.
O Ministério Público do Paraná indicou que Salvati e os conselheiros tutelares se limitaram a assistir a ação do PM César.
"O co-denunciado Marcos Salvati, o qual tem por lei a obrigação de cuidado, respeito e proteção com relação à dignidade humana e aos direitos fundamentais, especialmente quanto à liberdade, à segurança, à vida e à integridade física, moral e psíquica de todos os cidadãos, omitiram-se em face da tortura presenciada e praticada por César Silvério dos Santos em ( ) e ( ), quando na verdade, todos tinham o dever de evitá-la", dizia trecho da denúncia.
<b>A avaliação da conduta do PM no Conselho de Disciplina e no Comando-Geral</b>
O caso envolvendo as agressões dos adolescentes durante a ocorrência em Palmas também chegou ao Conselho de Disciplina na Polícia Militar do Paraná, e o Comandante-Geral da PMPR à época decidiu expulsar Salvati da corporação. A mesma pena foi aplicada ao PM César.
Salvati recorreu da punição à Justiça Militar alegando que não agrediu os adolescentes na ocorrência, e que omissão teria se dado diante do inequívoco descontrole emocional do PM César na abordagem e também pelo fato de o colega estar armado, o que colocaria em risco sua própria integridade.
O juiz Davi Pinto de Almeida, ao proferir decisão em agosto de 2015 entendeu que a exclusão de Salvati foi excessiva e estabeleceu sua reintegração à PMPR. Com base em depoimento, o magistrado considerou que Salvati se preocupou com os abusos perpetrados por César e que a reação que teve não poderia ser enquadrada como omissão, uma vez que relatou o ocorrido no dia seguinte.
Uma testemunha afirmou que foi procurada pelo soldado que este teria alegado que não interviu porque temia que César se voltasse contra ele em virtude de que naquele momento a situação se encontrava tensa e crítica.
Com base em tal decisão, Salvati ao efetivo da Polícia Militar paranaense em maio de 2017.
Após a reintegração, ficou à critério do Comando-Geral substituir a penalidade de exclusão por outra menos grave e foi nesse contexto que a prisão disciplinar do PM foi determinada.
Ao avaliar o caso, o atual Comandante-Geral da PM do Paraná, Péricles de Matos, considerou que na época dos fatos, o comportamento de Salvati era classificado como ótimo, mas o PM tinha nove punições disciplinares em seu desfavor.
"Deixando de cumprir as normas vigentes no ordenamento jurídico castrense, o militar, de maneira consciente deliberada deixou de adotar providências para evitar as agressões praticadas por seu companheiro de equipe", escreveu Matos ao determinar que o PM cumprisse 21 dias de prisão disciplinar.
<b>COM A PALAVRA, A DEFESA DE SALVATI</b>
O advogado Eduardo Milério, que representa Marcos Salvati na causa, indicou que as punições anteriores do PM eram de pequena monta e que todas elas já tinham sido reabilitadas, canceladas para todos os efeitos tendo em vista o tempo do policial na corporação. "Então as nove punições enteriores não estavam surtindo mais efeito na ficha disciplinar dele, mas eram punições de natureza muito pequena".
O advogado informou que não representa o PM no âmbito criminal e indicou ainda: "A decisão encerra um ciclo, valoriza os militares. Aponta que esses devem ser olhados e tratados como seres humanos".
<b>COM A PALAVRA, A DEFESA DE CÉSAR SILÉRIO DOS SANTOS</b>
A reportagem busca contato com os advogados de César. O espaço está aberto para manifestações.