Em meio ao crescimento do número de trabalhadores por aplicativo, uma válvula de escape do desemprego durante a pandemia de covid-19, empresas do setor começam a se mobilizar em defesa de uma regulamentação da profissão que assegure direitos como aposentadoria e ganhos mínimos aos trabalhadores, sem tirar deles a flexibilidade e a autonomia do modelo.
Em entrevista ao <i>Estadão/Broadcast</i>, executivos do iFood, uma das maiores companhias do segmento de entregas, defendem a criação de uma nova forma de contribuição à Previdência e consideram a possibilidade de as plataformas colaborarem financeiramente para que esses trabalhadores tenham acesso a um grau melhor de proteção social.
Hoje, os trabalhadores por aplicativo dependem das políticas de cada companhia para ter alguns benefícios, como ganhos mínimos e proteção contra acidentes ou doenças. Para uma cobertura mais abrangente e direito à aposentadoria no futuro, precisam contribuir à Previdência como microempreendedor individual, modalidade subsidiada pelo governo que assegura benefícios de apenas um salário mínimo (R$ 1,1 mil), ou de forma autônoma, pagando 20% sobre o salário de contribuição (partindo de R$ 220 mensais).
Na avaliação do iFood, as possibilidades atuais são insatisfatórias. "O trabalhador de plataforma aufere a renda em vários aplicativos diferentes e não tem um sistema que consiga agregar isso em uma contribuição conforme o que ele ganha. A alternativa que ele tem hoje é o MEI, com uma taxa que é subsidiada, mas dá a ele uma aposentadoria de salário mínimo. Não faz sentido", afirma o diretor de Políticas Públicas do iFood, João Sabino.
"A discussão é como usar a tecnologia para criar essa espécie de carteira virtual, em que ele faz uma contribuição proporcional ao que ele ganha, mas também vai ter uma aposentadoria proporcional ao que ele arrecada", diz o executivo. Segundo dados do iFood, mais da metade dos trabalhadores da plataforma (51,3%) ficam mais de 25 horas semanais ligados no app e ganham R$ 25,23 por hora trabalhada em média (5 vezes o salário mínimo/hora).
Em relação aos ganhos mínimos, Sabino afirma que o piso nacional atual por hora trabalhada (R$ 5/hora) é o "básico" e "jamais poderia ser alguma coisa abaixo disso".
A Associação Brasileira Online to Offline (ABO2O), que representa mais de 150 aplicativos, afirma que "qualquer debate sobre a relação entre profissionais independentes e aplicativos deve considerar essa multiplicidade de atores envolvidos no modelo econômico de intermediação de serviços".
O economista José Pastore, especialista em trabalho e que tem dado consultoria à Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) nas discussões com as plataformas, afirma que o MEI é "muito indicado" para abrigar os trabalhadores de aplicativo, mas "precisa de alguns ajustes", inclusive para que eles possam contribuir mais para a Previdência.
<b>3 perguntas para Lucas Pittioni, diretor jurídico do iFood</b>
<b>1. As empresas terão de contribuir nesse novo modelo defendido pelo iFood?</b>
Não sei se o mais adequado é falar que as empresas terão de, mas eu acho que essa possibilidade está na mesa e precisa estar. A gente precisa de um modelo de Previdência que seja sustentável. Aqui no Brasil a ferramenta que talvez mais resolva essa situação é a do MEI.
<b>2. Todo trabalhador deveria participar, ou poderia se discutir algo opcional?</b>
Um dos caminhos talvez seja adotar uma regra parecida com o que a gente tem no imposto de renda hoje, até determinado valor o trabalhador está isento de contribuição.
<b>3. Por que o iFood decidiu agora puxar esse debate?</b>
Esse passo neste momento é resultado de muita escuta. Parece ser um consenso que existem algumas especificidades nessa nova forma de trabalho que demandam um olhar mais dedicado.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>