A mais antiga moradora do Hospital Municipal da Criança e do Adolescente (HMCA), em Guarulhos (SP), administrado pelo IDGT, está com as malas prontas pra ir embora. Prestes a completar 11 anos (nasceu em 18.12.09), T.A.B. reside na unidade desde os dois meses de idade. “Ela possui uma doença rara, hereditária, progressiva (o quadro vai ficando mais grave) e que afeta os nervos, tanto na parte sensitiva, quanto na motora. Aos poucos, a T.A.B. foi tendo alterações de movimentação e de sensibilidade nas pernas, depois nos braços, até ficar totalmente acamada”, explica a doutora Alexandra Isilda de Castro Percebo, médica pediatra que acompanha a paciente desde o primeiro dia no HMCA.
Logo que chegou, T.A.B. ficou cerca de um ano na UTI. “Foi nessa época que começamos a descobrir a situação real dela, que precisou ser entubada e evoluiu com dificuldades motoras, além da respiratória. Quando voltou para nossa enfermaria, já era uma criança acamada, tinha uma traqueostomia e uma gastrostomia. Ela precisa ficar com a ventilação mecânica 24 horas por dia ou não consegue respirar. E recebe a alimentação por meio de uma sonda, diretamente do estômago. Nesta situação, faz nove anos que ela está na enfermaria do HMCA”, disse a pediatra.
Apesar do quadro que exige muitos cuidados, T.AB. tem condições de ir pra casa, pois possui uma condição clínica estável. Mas a transferência agora ficou mais próxima por dois motivos. O primeiro é a reunião dos equipamentos necessários para mantê-la, após a doação de um monitor multiparâmetros pela empresa Alicerce. O segundo é a certeza da mãe, L.C.B., de que consegue cuidar da filha fora do ambiente hospitalar.
“A TA.B. é extremamente bem cuidada pela mãe. Ela sabe tudo que precisa ser feito com a filha. Já aconteceram outras tentativas de desospitalização, mas por uma série de motivos acabou não dando certo. Uma das principais dificuldades era levá-la pra casa com a ventilação mecânica. Também havia um pouco de insegurança da equipe e da L.C.B., que não sabia se conseguiria cuidar da filha”, comentou a doutora Alexandra.
Mesmo consciente das dificuldades que irá enfrentar, L.C.B. diz que a hora chegou. “Não tenho do que reclamar do tratamento que tivemos aqui. E nesses últimos tempos a gente recebeu ainda mais atenção. Mas 10 anos em um hospital é muito e por isso tomei a decisão de ir pra casa. Quero ficar com minha família, dar mais atenção para meu outro filho, que já está com 16 anos. Sei que os primeiros dias serão bem difíceis. Vou ficar assustada, pois aqui tenho médicos, enfermeiras e fisioterapeutas o tempo todo com a gente. Em casa seremos eu, meu marido, minha cunhada e meu filho. Mas com o tempo vamos superar as dificuldades e creio que vai dar certo”, afirmou.
Além do apoio da família, TA.B. também contará com um fisioterapeuta e com a Equipe Multidisciplinar de Atenção Domiciliar (Emad), da prefeitura de Guarulhos. “Hoje a T.A.B. está bem estável. Aqui ou em casa vai ser igual. Ela faz fisioterapia três vezes por dia. Em casa, nós também teremos o acompanhamento de um fisioterapeuta. Além disso, eu aprendi e também faço muitos exercícios com ela”, disse a mãe.
Xodó
Há 20 anos trabalhando no HMCA, a doutora Alexandra diz que no início tudo foi muito angustiante. “A T.A.B. está na minha vida há dez anos. O caso dela é muito triste. Penso na L.C.B. e em como ela conduz seus dias, encontrando forças pra deixar a filha sempre cheirosinha, limpinha, com lacinho no cabelo, roupa arrumada. Com o tempo, percebemos que a T.A.B. seria uma moradora do hospital. Todo mundo aqui tem um carinho muito grande pelas duas. A T.A.B. é nosso xodó. Tem enfermeira que cuida dela como se fosse uma filha”, explicou a pediatra.
Percepção
As limitações de T.A.B. não afetam o entendimento que possui da realidade. “Como nunca viu o mundo lá fora, a gente não sabe exatamente como ela enxerga os fatos. Ela nunca falou, nunca andou, mas entende as coisas e conversa do jeito dela com a mãe. E quem está mais acostumado também já sabe os sinais que faz com o olho, a sobrancelha, com o canto do lábio, a bochecha. A gente sabe quando ela está brava, feliz, estressada”, diz a doutora Alexandra.
Ligação intensa
Um dos principais motivos para a equipe médica permitir a alta é a dedicação de L.C.B. “Ela é uma guerreira, não larga a T.A.B. por nada. A ligação entre as duas é muito forte e, com o suporte adequado, a mãe pode manter a T.A.B. bem por muito tempo. E agora está empolgada pra começar uma vida nova”, comenta a pediatra.
24 horas por dia
Nesses 10 anos, L.C.B. morou no HMCA junto com a filha, em ambientes preparados especialmente para recebê-las. “Todos aqui me conhecem e sabem que eu não deixo minha filha sozinha em momento algum. Minha vida é essa, ao lado dela 24 horas por dia. Faço tudo com ela. Aspiro, coloco dieta, entendo qualquer problema com a ventilação. Minha filha nunca teve uma escara, uma assadura. Hoje, o que mais eu quero é ir pra casa com ela. Estou ansiosa”, confessou Lourdes.
A doença de T.A.B. é uma Polirradiculoneuropatia Desmielinizante Sensitivo Motora Crônica Evolutiva Hereditária. A transferência está próxima, mas ainda não tem data agendada.