Estadão

Aprovado em 1 minuto, novo penduricalho do MPF excede norma

Ao aprovar a jato a criação de um penduricalho por um alegado excesso de trabalho, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) usou como justificativa leis e normas da magistratura. No entanto, o órgão dos procuradores driblou a lei e criou critérios que vão além dos previstos para juízes. Na prática, a resolução aumenta o leque de potenciais beneficiários.

Como mostrou o <i>Estadão</i>, na última sessão plenária de 2022, no dia 19 de dezembro, o CNMP criou um licença para compensar "acúmulo de acervo", que pode ser revertida em indenização (até R$ 11 mil por mês). O critério para definir a quantidade de processos que configura o excesso ficou a carga dos ramos do Ministério Público.

Naquela sessão, havia mais holofotes do que o usual sobre o plenário do órgão, em razão do julgamento que terminou com a punição de procuradores da Operação Lava Jato do Rio, por causa da divulgação institucional de um release a respeito de uma denúncia que estava em sigilo. Foi após a saída do procurador-geral Augusto Aras, que preside o conselho, e um intervalo, que a norma foi aprovada.

Do anúncio da votação da pauta ao placar final e a aprovação, os conselheiros levaram um minuto e 17 segundos. "Alguma objeção", questionou Oswaldo d Albuquerque, que presidia a sessão no lugar de Aras. Sem questionamento, a regra foi, então, publicada na sexta-feira passada.

Na prática, os procuradores contemplados receberão um dia de folga para cada três trabalhados. Sob a mesma justificativa de excesso de serviço, foram criadas gratificações a juízes federais por leis de 2015 sancionadas pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) após aprovação pelo Congresso Nacional. Para toda a magistratura, a gratificação por excesso de trabalho foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça em 2020.

Estes dispositivos que beneficiaram magistrados são mencionados pela resolução aprovada pelo CNMP. Leva-se em consideração a "simetria constitucional e a paridade" entre as carreiras do Ministério Público e da magistratura.

No entanto, nem tudo na resolução para os procuradores é tão simétrico assim em relação a juízes. Nos bastidores, há uma grita da toga por ter seu benefício menos vantajoso do que aquele aprovado recentemente ao MP.

<b>Tipo de acervo</b>

Uma das diferenças está em qual tipo de "acervo" pode ser levado em consideração para agraciar os beneficiados. No caso dos juízes, a legislação e regulação do tema no CNJ prevê que apenas processos judiciais sejam levados em conta para calcular a sobrecarga de trabalho.

Já os procuradores do MPF vão receber também pelo acúmulo de acervo administrativo. Dentro deste recorte, conta a participação em grupos de trabalho, de estudo e comitês temáticos. A ocupação de função "singular", como chefia de gabinete de procuradores-gerais e secretarias do MP também é levada em consideração.

A portaria também deixa expresso que o "mandato classista" é considerado uma "função singular caracterizadora de acúmulo de acervo". O termo se refere a procuradores que estão afastados de suas funções para integrar a diretoria de associações privadas de classe – uma espécie de sindicato dos procuradores, destinado à defesa dos interesses corporativos da carreira. Não há na lei citada pelo CNMP na própria portaria nada que lembre este dispositivo.

A resolução trata o penduricalho como indenização – fora do teto, de R$ 39,3 mil do funcionalismo, e isenta de imposto. No caso da magistratura, há respeito ao teto.

Ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Guilherme Feliciano argumentou que a gratificação surgiu na magistratura considerando que, independente do número de acúmulos, obedeceria o limite do teto. "O MP, com essa resolução, apresenta o argumento de que isto poderia ser feito por resolução em função do princípio constitucional da assimetria. O que me parece que está desfocado é o objeto dessa simetria, porque o que está na resolução, a rigor, a magistratura não tem", disse.

<b>Acúmulo</b>

Em outro trecho da resolução, há previsão para que os procuradores que já recebam gratificação pelo acúmulo de ofícios também possam acumular a licença remuneratória. No Judiciário, o ofício equivaleria às varas da Justiça, para as quais há sempre juízes titulares e substitutos. Também não há menção expressa na lei sobre este acúmulo para a toga.

Ex-presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe), Gabriel de Jesus Tedesco Wedy defendeu que o sistema constitucional é claro ao estabelecer um teto para o Poder Judiciário, que já considera as verbas previstas na lei orgânica da magistratura neste sistema remuneratório.

"Existe uma previsão de um teto com uma reposição anual de inflação e nada mais. Tudo que estiver fora disso, no caso da magistratura, vale a Constituição e as verbas da lei orgânica da magistratura dentro do teto", disse. "Quanto à decisão do CNMP, merece nosso respeito. Não comento especificamente porque pode ser judicializada a questão. Contudo, a sociedade não concorda com os chamados penduricalhos, é compreensível", disse.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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