O Tribunal de Contas da União (TCU) obrigou Estados e municípios a prestarem contas e falarem onde vão usar o dinheiro da emenda Pix, revelada pelo <b>Estadão</b>. A decisão foi aprovada na última quarta-feira, 17, quatro anos após o início do mecanismo e depois de R$ 11,3 bilhões gastos sem transparência nem fiscalização.
A emenda Pix é um recurso usado por deputados e senadores para enviar dinheiro a seus redutos eleitorais. O valor é pago sem nenhum compromisso com obras e projetos específicos, pode ser usado em qualquer área e cai na conta das prefeituras e dos governos estaduais antes de qualquer obra ou serviço público ser entregue. Na zona cinzenta, o dinheiro não é fiscalizado e a sociedade não sabe no que está sendo gasto.
Agora, o tribunal decidiu obrigar os Estados e municípios a prestarem contas em uma plataforma específica oferecida pelo governo federal. Lá, eles terão 60 dias para inserir documentos sobre como os recursos serão aplicados, como projeto da obra, planilhas de orçamento e previsão de conclusão. O prazo começa a contar no dia que o dinheiro da emenda Pix cair na conta.
Além disso, uma vez por ano, até o dia 30 de junho, as prefeituras e os governos estaduais terão que apresentar relatórios sobre a aplicação do dinheiro e o andamento das obras, até que o projeto seja concluído e entregue para a população. Atualmente, a plataforma do governo federal oferece um espaço para a prestação de contas, mas o preenchimento é opcional e não é feito em 95% dos casos. As poucas informações disponíveis não abrangem todo o recurso recebido.
Outra exigência do TCU é que o Estado ou o município abra uma conta bancária para cada emenda que receber. A intenção é que, dessa forma, seja possível a um fiscal saber para onde está indo o dinheiro. Atualmente, os municípios movimentam os recursos em uma conta única e o valor se mistura ao restante do orçamento municipal, tornando a fiscalização impossível.
O TCU vai fiscalizar se 70% do gasto está bancando investimentos, como determina a Constituição, e os tribunais estaduais e municipais serão responsáveis por controlar o uso do dinheiro na ponta – acompanhar, por exemplo, se a obra foi feita, se os preços estão corretos e se não houve desvios. Muitos desses tribunais são integrados por indicados e parentes de políticos.
As obrigações serão válidas para as próximas transferências. Os Estados e municípios só terão que prestar contas do dinheiro que receberam nos últimos quatro anos se as obras não terminaram. A determinação do TCU é que haja prazos para o uso do dinheiro: três anos para transferências até R$ R$ 2,5 milhões, quatro anos para repasses entre R$ 2,5 milhões e R$ 5 milhões e cinco anos para emendas acima de R$ 5 milhões.
Apesar das exigências, a essência da emenda Pix continua. O mecanismo foi aprovado pelo Congresso por meio de uma mudança na Constituição, em 2019. Mesmo com a obrigação da prestação de contas, o dinheiro segue sendo pago antes do início de obras, sem aprovação de nenhum projeto e poderá ser gasto em qualquer área, sem vinculação com programas federais.
As únicas regras sobre a destinação é usar 70% das transferências em investimentos, como obras e compra de equipamentos, e não gastar nada com o pagamento de funcionários e dívidas dos Estados e municípios.
Conforme o <b>Estadão</b> revelou, a emenda Pix foi usada para bancar shows sertanejos em cidades em calamidade e sem infraestrutura. Também bancou obras mais caras em Carapicuíba (SP), município campeão de transferências, enquanto deixou obras em escolas abandonadas. Além disso, os pagamentos foram feitos de forma irregular, sem uso em investimentos públicos concretos.
Outro fator que não muda é o drible à lei eleitoral. Com uma emenda tradicional, vinculada a programas federais e fiscalizada pelo TCU, o recurso não pode ser pago nos três meses anteriores à eleição para não favorecer o parlamentar ou o prefeito que está no cargo. Com a emenda Pix, o dinheiro cai antes e o prefeito pode começar uma obra no meio da campanha. O esquema vai somar R$ 8,1 bilhões em 2024, um valor recorde, com a adesão 467 deputados e 70 senadores, ou seja, 90% do Congresso.