Estadão

Após dois anos de guerra na Ucrânia, mundo ficou mais inseguro e bélico

Quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, emitiu a ordem para invadir a Ucrânia, há dois anos, a aparente sensação de segurança mundial foi rompida. O episódio levou o restante do mundo a uma corrida para aumentar suas capacidades militares, impulsionando um novo recorde de gastos em 2023.

Foram investidos mais de US$ 2,2 trilhões (R$ 10,9 trilhões) em capacidades militares no ano passado, segundo dados do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), um aumento de 9% em relação a 2022. Em seu 65.º relatório Balanço Militar, o instituto projeta que 2024 também terá um novo recorde, com a política de modernização militar da China, a guerra de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza e consecutivos conflitos e golpes militares na África.

Desse montante, os países membros da Otan foram responsáveis por 50% dos gastos, sendo os EUA os líderes do ranking, com 40,5% da fatia. A China gastou 10% desse valor, enquanto a Rússia consumiu 4,8%. O restante do mundo investiu 27,4% desses trilhões.

"O ritmo de gastos com munições na guerra entre Rússia e Ucrânia também levou a uma reflexão no Ocidente de que as capacidades de produção estão atrofiadas, com os países correndo para corrigir deficiências de anos de subinvestimento", afirma o relatório, que diz que a guerra na Europa deixou sua marca também de outras maneiras no setor. "Embora veículos aéreos não tripulados (UAVs) já sejam uma parte das forças armadas modernas há algum tempo, conflitos recentes demonstraram a utilidade de uma gama muito maior de tais sistemas. A demanda impulsionou uma onda de acordos de exportação, com a Turquia e o Irã fornecendo UAVs a vários atores", diz.

O aumento de gastos militares, especialmente pela Europa, já vinha se desenhando desde 2014, depois que Putin anexou ilegalmente a Crimeia. Mas a invasão em larga escala da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 soou o alarme para o restante do mundo.

Países como Alemanha e Japão, cujos gastos militares eram reduzidos desde a 2.ª Guerra, adotaram uma doutrina de segurança para reforçar suas defesas. No caso dos japoneses, pelo temor de alguma ação por parte da vizinha China. "As ações militares de Moscou ampliaram preocupações em outras partes do mundo, especialmente no Indo-Pacífico, de que um vizinho militarmente poderoso possa tentar impor sua vontade sobre outros", afirma o documento do IISS.

<b>ESTRATÉGIAS</b>

Entre as mudanças de estratégias, o relatório aponta que, na Ásia, Japão e Coreia do Sul buscaram estreitar laços de defesa; as Filipinas retomaram a cooperação militar com os EUA; Taiwan fortaleceu suas defesas; e a Austrália expandiu sua capacidade naval.

A isso se soma a expansão da Otan com a adesão da Finlândia e provável entrada da Suécia. Dez Estados-membros da União Europeia alcançaram o objetivo da aliança de gastar 2% do seu PIB em defesa em 2023, dois a mais do que no ano anterior.

"Houve definitivamente um aspecto de despertar com esta invasão em larga escala feita por um Exército de centenas de milhares e uma guerra convencional no continente europeu", afirma o capitão aposentado da inteligência naval americana e pesquisador do Centro de Análise de Política Europeia, Steven Horrell.

"É importante notar, e os líderes europeus sabem disso, que Putin não estava apenas embarcando nesta guerra para erradicar a soberania da Ucrânia. Ele próprio afirmou que se tratava de redesenhar a arquitetura de segurança europeia e global", afirmou o pesquisador.

O aumento dos gastos militares não foi apenas uma resposta às ações russas. Moscou também expandiu seus gastos para 7,5% do seu PIB, um aumento de 30% de 2022 para 2023, segundo o instituto. O relatório estima que a Rússia tenha desembolsado US$ 108 bilhões (R$ 553 bilhões) com suas Forças Armadas em 2023, três vezes mais que a Ucrânia (US$ 31 bilhões ou R$ 153 bilhões), que tem forte apoio ocidental.

Uma análise do Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo (Sipri) – que também monitora investimentos militares, mas ainda não publicou seu relatório de 2023 – a despesa da Rússia deve crescer ainda mais em 2024, depois que Putin assinou uma nova lei orçamentária que destina US$140 bilhões (R$ 691 bilhões) em investimento nos gastos militares do país.

A Rússia precisa repor o que vem perdendo na guerra. O relatório do IISS observa que quase 3 mil tanques foram destruídos desde fevereiro de 2022, mesmo número do seu inventário ativo, o que forçou Moscou a reativar veículos velhos que estavam em armazenamento.

<b>LUCRO</b>

Como efeito imediato no aumento dos gastos, a indústria bélica se beneficiou. Nos dois anos de guerra, o setor de defesa dos EUA registrou um boom nas encomendas de armas e munições, segundo levantamento do Wall Street Journal. Grande parte dessas encomendas veio dos governos europeus e americano, com o objetivo de não só ajudar a Ucrânia, mas fortalecer suas próprias Forças Armadas.

A produção industrial no setor de defesa e aéreo dos EUA aumentou 17,5% em dois anos. Membros do governo afirmam que, dos US$ 60 bilhões destinados à Ucrânia no último pacote aprovado pelo Senado – pendente ainda na Câmara -, cerca de 64% deve retornar em forma de lucro e geração de empregos no setor no país. Só no ano passado, os EUA exportaram US$ 238 bilhões (R$ 1,2 trilhão) em armamento.

A fabricante britânica de armas BAE Systems também registrou no ano passado lucros recordes de £ 25,3 bilhões (R$ 146 bilhões) e prevê um crescimento maior este ano, segundo o Guardian. Desde a invasão da Ucrânia, cada vez mais a empresa recebe encomendas para repor armamento pesado e munição. Colaborou Jéssica Petrovna.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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