As divergências em relação ao relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, divulgado com exclusividade pelo <i>Estadão</i> no domingo, colocou os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL), respectivamente presidente e relator do colegiado, em pé de guerra. Os dois são os principais senadores do chamado "G-7", grupo dos sete integrantes que ditam os rumos do colegiado.
Por causa das desavenças, a tradicional reunião semanal que o grupo faz às segundas-feiras para discutir as atividades da comissão não aconteceu. Renan também tinha convidado os colegas para debater o parecer em seu gabinete no Senado, mas o compromisso também foi cancelado.
"Vamos esperar um pouco. Ter uma reunião não seria bom. Está todo mundo de cabeça quente, não seria bom. Não é o momento de lavar roupa suja, é o momento de esperar o relatório, ler, equilibrar e a gente ver o que tem que colocar a mais no relatório", afirmou Aziz ao <i>Estadão</i>.
O atrito começou após o <i>Estadão</i> revelar o relatório final de Renan Calheiros. Após a publicação da reportagem, o presidente da comissão decidiu adiar em uma semana a votação do documento.
Um dos pontos que levaram ao adiamento, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem, é a decisão de Renan Calheiros, de indiciar o presidente Jair Bolsonaro por homicídio qualificado. Também há divergências entre integrantes do grupo majoritário sobre a acusação de "genocídio indígena" na pandemia, crime que pode levar o governo a ser julgado em tribunais internacionais. O relatório final acusa, além do presidente, o secretário especial de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva. O presidente da CPI disse ao <i>Estadão</i> que indígenas foram vacinados e não vê motivo para indiciar o secretário, que nem sequer foi ouvido pela comissão.
Integrantes da CPI viram na divulgação do relatório uma forma de "jogar para a plateia" e forçar que os pontos defendidos por Renan não sejam retirados. Mesmo discordando de alguns pontos, para Aziz, o texto que já foi divulgado não deve ser alterado. "Se tiver alguma coisa que estiver faltando, vou questionar porque não está lá", disse o presidente da comissão.
De acordo com o senador, isso é uma maneira de evitar críticas caso trechos sejam mudados. Aziz quer evitar, por exemplo, que senadores sejam acusados de ceder à pressões do governo caso partes do relatório sejam mudadas. De acordo com o presidente da CPI, qualquer mudança agora deve ser feita somente durante a votação.
Ao <i>Estadão</i>, Renan afirmou que não irá alterar o parecer. "E eu vou mudar nada. O relatório só será mudado pela maioria. A maioria definitiva. O que ela quiser mudar, ela mudará, sem exceção", disse.
O senador do PSD acusou o relator de vazar o parecer e reclamou que os próprios integrantes da CPI não tiveram acesso. "Nós estamos aqui lutando para fazer um relatório bom. Agora, o cara também não pode fazer isso com a gente. Fica ruim para todos nós", disse.
O relatório final da CPI da Covid afirma que o governo do presidente Jair Bolsonaro agiu de forma dolosa, ou seja, intencional, na condução da pandemia, tornando-se responsável pelas milhares de vidas perdidas ao longo dos últimos meses. Composto por 1.052 páginas, o documento analisa os possíveis crimes cometidos pelo presidente e por aliados, além de sugerir a continuidade das investigações.
Aziz afirmou que tem evitado falar com Renan e que apenas o cumprimentou na sessão da CPI desta segunda. "A última vez que falei com ele foi na sexta-feira, quando o G-7 se reuniu e ficou acordado que hoje todos nós teríamos uma reunião com ele, mas ele vazou", reclamou. "Tem um mal-estar, não é comigo só", afirmou o presidente do colegiado.
Outro integrante do G-7 reclamou do senador do MDB. Em entrevista coletiva, o senador Humberto Costa (PT-PE) declarou que defendeu desde o início a escolha de Renan para ser o relator, mas criticou o vazamento do parecer. "Tudo que o Brasil não deseja, não espera e não aceita é que essa CPI, depois de ter dado uma contribuição histórica fundamental para o País, termine numa disputa de vaidades. Isso aí é inaceitável",
"Ele (Renan) havia assumido um compromisso conosco de que, antes de divulgar esse relatório, teria conversas com os integrantes do G-7 para ouvir opiniões, para receber sugestões, para, enfim, saber como é que nós estávamos imaginando", disse o petista.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também criticou a divulgação antecipada do relatório. "O texto não deveria ter sido vazado. Deveríamos ter consolidado todas as contribuições e, aí sim, encaminhar o texto da parte do relator. O vazamento do texto antes de terem sido consolidadas as contribuições criou de fato um incômodo. Incômodo que temos que superar", disse em entrevista ao <i>UOL News</i>.
Renan afirmou que houve um "problema de comunicação" e que ele não tem relação com a divulgação antecipada do relatório. No entanto, o senador de Alagoas minimizou o caso e disse que expor o texto ajuda a construir maiorias. "Ia chegar em um momento que ia vazar, não tem jeito", disse.
O relator negou que haja conflitos com o presidente da CPI e declarou que só há briga quando dois querem. "Não está havendo conflito, você está havendo declaração minha conflitante com alguém? Não há nenhum propósito e não seria o caso do presidente, do relator, do vice-presidente pretender individualizar o relatório", falou.
"O relatório é o produto do que pensa a maioria. Eu sinceramente não sei qual a divergência do senador Omar com o relatório, se soubesse não teria colocado, teria pacificado primeiro", afirmou.
Apesar do clima de conflito, o senador Otto Alencar (PSD-BA) avaliou que as divergências serão superadas. "Não tem divisão, tem discordância de pouquíssimos pontos que serão resolvidos. Estamos unidos, mas nem sempre pensamos igual", disse ao <i>Estadão</i>.