O artista paulistano Eduardo Kobra, de 46 anos, doou dois grandes murais ao Hospital das Clínicas para homenagear profissionais da saúde, incentivar doações de sangue e humanizar o espaço onde circulam milhares de pessoas diariamente. As pinturas dão sequência a outras relacionadas à pandemia.
A obra intitulada Ciência e Fé, de 20 metros de altura por 10 metros de largura, vai ser inaugurada nesta terça, 25, na Rua Doutor Eneias de Carvalho Aguiar, 255. Já Metaformoses, com 34 metros de altura por 7,5 metros de largura, localizada no Espaço de Convivência do Prédio dos Ambulatórios (Pamb), deve ser entregue no próximo mês.
"Não há contradição nenhuma entre ciência e fé", explica Kobra sobre o mural finalizado para o aniversário de São Paulo. "As pessoas que entram no hospital estão preocupadas, com problemas, e muitas delas carregam essa semente de fé, mas chegam ali acreditando também na medicina." A imagem mostra as mãos de um médico, com o jaleco e o estetoscópio, em posição de oração.
<b>União</b>
Para o superintendente da instituição, Antonio José Rodrigues Pereira, a união desses dois elementos é o que permite enfrentar os desafios da crise sanitária. "A ciência é o que permite ter o conhecimento e as condições necessárias para salvar as vidas. Mas a fé nos dá motivação e força para continuar em meio a tantas adversidades."
Já Metamorfoses passa uma mensagem de transformação. Na parede longa e estreita, que vai do 1.° ao 8.° andar do Pamb, da base, borboletas saem da água e vão até o topo do prédio. Por ali, circulam em torno de 10 mil pessoas diariamente. "As borboletas falam dessa transformação. As pessoas entram ali de uma forma e vão sair de lá curadas, transformadas, com uma esperança de vida", explica o artista. Ainda, nas asas do inseto, há pedras preciosas desenhadas. A ideia de Kobra foi reforçar a mensagem de que cada vida é preciosa e merece cuidado.
Com a doação dos murais, ele quis principalmente demonstrar sua gratidão e a dos brasileiros como um todo aos profissionais da saúde. "Eu sei quanto amor e dedicação eles têm pela profissão. Eles colocam as vidas deles pelas nossas", explica.
O Hospital das Clínicas foi referência no tratamento da covid. "Nós perdemos vários pacientes", lembra Vanderson Rocha, presidente da Fundação Pró-Sangue e diretor do Serviço de Hematologia do HC. "A gente está ali sofrendo todos os dias. Os murais vão trazer prazer de estar ali."
Rocha conta que as pinturas vão dar vida a "paredes frias" do complexo, o que é importante para humanizar. "Isso tudo ajuda no psicológico tanto dos pacientes quanto das pessoas que trabalham ali."
Ao doar os dois murais, Kobra ainda espera incentivar doações à instituição, principalmente as de sangue para o maior banco de sangue da América Latina. Segundo Rocha, presidente da Fundação Pró-Sangue, a frequência de doadores diminuiu 20%. "Em alguns momentos, nos deparamos com estoque mínimo, tendo de fechar cirurgias e atender só casos graves."
Pereira também aponta que as pinturas do artista terão uma importante função de memória, para no futuro a pandemia não ser lembrança vaga. "A gente não poderia deixar de registrar de alguma forma o que foram esses dois anos."
<b>Convite</b>
Vanderson Rocha busca humanizar o Prédio dos Ambulatórios do Hospital das Clínicas há mais de quatro anos. Quando andava pelo prédio com o arquiteto Luis Robles, sentiu que o espaço era muito impessoal. "Por que a gente não faz uma praça aqui?", indagou Rocha.
Assim, tudo começou. O médico passou a buscar patrocínio para construir o espaço de convivência. Para além da infraestrutura, ele queria também trazer cor ao vão central acinzentado. Daí veio a ideia de contatar Kobra há três anos. Com auxílio público e privado, a praça foi inaugurada no ano passado.
No início, a pretensão era apenas colorir o vão interno. Porém, a instituição logo decidiu oferecer mais uma parede externa ao artista – essa do lado de fora. Pintar as paredes do Hospital das Clínicas tem grande valor emocional ao muralista, pois ali já foi atendido diversas vezes. Kobra sofre com problemas respiratórios causados por intoxicação de metais pesados das tintas.
Desde que os andaimes foram montados para que as paredes passassem a receber a tinta colorida, ansiedade e curiosidade passaram a contagiar pacientes, acompanhantes, profissionais da saúde e fornecedores. Por segurança, o espaço está coberto, logo, ninguém conseguia ver em completude o que estava por vir. "Todos tentam dar olhadinha por baixo", conta Pereira, superintendente do HC.
<b>Pintar na pandemia</b>
Os primeiros seis meses de 2020 não foram nada fáceis para Kobra. Enquanto lidava com o luto pela perda da filha, o artista enfrentou complicações respiratórias. Em determinado momento, chegou a pensar que nunca mais conseguiria pintar. "O que me fez levantar de uma profunda angústia que estava foi a solidariedade", conta. "A partir do momento em que comecei a me mover em favor de quem estava passando dificuldades, assim como eu, as coisas começaram a funcionar."
Então, ele pegou suas emoções, sentimentos, alegrias, tristezas e desesperos, e os transformou em arte. Muitas dessas obras relacionadas à pandemia da covid-19 também tinham um cunho social, a fim de ajudar aqueles em vulnerabilidade.
Voltar a produzir os painéis representou a retomada da vida dele após um momento de profunda angústia. "Eu não consigo me imaginar fazendo qualquer coisa a não ser pintar."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>