Ao contrário do período pós-crise de dezembro de 2001, o Brasil não terá desta vez vigor econômico suficiente para contribuir para a recuperação da Argentina. Uma vez mantido o cenário de calote, o país vizinho vai mergulhar em recessão pelo menos até o fim de 2015, segundo estimativas da consultoria Abeceb, de Buenos Aires. No mesmo período, a retração do crescimento econômico e do consumo doméstico no Brasil não darão chances de ampliação das exportações de bens e serviços argentinos nem de elevação da presença industrial brasileira no país vizinho.
“Os dois países já enfrentam a demanda interna enfraquecida e não há mais a coordenação bilateral do início da década passada. A integração dentro do Mercosul está estancada, e ambos os países enfrentam queda da competitividade industrial”, resumiu Mariano Lamothe, gerente de Análise Econômica da Abeceb. “O Brasil não terá como ajudar nem pelo lado do comércio nem pelo lado dos investimentos”, avaliou Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) e sócia da Ecostrat Consultores.
Segundo Sandra, a ajuda brasileira estará limitada à seara governamental, na forma de decisões políticas sobre compras governamentais de bens e serviços argentinos e de investimentos de estatais. Mesmo assim, não será substancial.
Do setor privado, pouco se poderá esperar. Como explicou, o ambiente de insegurança jurídica construído nos últimos anos pelo governo argentino não favorecerá iniciativas de empresas privadas brasileiras. As companhias que estão presentes na Argentina tendem a reavaliar a permanência no país.
O cenário traçado pela Abeceb para a Argentina em calote traz queda de 3,5% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, com recuo de 3,8% no consumo doméstico e variação anual da inflação de 41%. A taxa de câmbio, que fechou em 2013 a 6,33 pesos por dólar, chegará a 10,89 pesos – desvalorização de 72%. As reservas internacionais, de US$ 30,6 bilhões no fim do ano passado, fecharão em US$ 21 bilhões em dezembro. Para o ano que vem, o recuo da atividade econômica prosseguirá, em 0,5%. O consumo cairá 0,8%, com inflação anual equivalente à de 2012, de 24%. A moeda argentina deve desvalorizar mais 20% e fechar a 13,07 pesos por dólar, e as reservas minguarão a US$ 16 bilhões. Para o Brasil, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima crescimento de 1,3% em 2014 e de 2,0% no ano que vem.
Segundo o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior (Coscex) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), além da deterioração das trocas de bens e serviços entre Brasil e Argentina, os problemas de pagamento de importações por empresas do país vizinho devem se acentuar. A maior parte dessa conta não é financiada e, portanto, não corre pelo CCR, mecanismo com aval dos bancos centrais. O comércio se dá de forma direta e envolve, na maioria dos casos, filiais da mesma companhia do setor automotivo.
Pauta
Dentre os dez principais itens da pauta de exportação argentina para o Brasil, sete são do setor automotivo. Na mão contrária, também figuram outros sete entre os dez primeiros. Até o fim de 2013, os argentinos ainda corriam às concessionárias como meio de investir, fato que estimulou não só a produção local como a importação de veículos do Brasil. No primeiro semestre, esse movimento se esgotou e houve incerteza em relação à assinatura de um novo acordo automotivo bilateral. O resultado foi a queda de 35% das exportações brasileiras desse setor para o país vizinho, lembra Barbosa.
O novo acordo automotivo firmado em junho teria elementos capazes de estimular as trocas do setor. Além de manter o livre-comércio dos itens comercializados sob suas regras, previu que a cada US$ 1 milhão em importações de bens argentinos do exterior, o Brasil poderia exportar US$ 1,5 milhão. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.