"Sou argentino e não desisto nunca". Os hermanos do vôlei não usam esse lema, tão surrado por aqui, mas poderiam. Embora a seleção argentina adulta não colha resultados expressivos nas principais competições internacionais, nosso maior vizinho é reconhecido pela qualidade na formação da mão de obra nessa modalidade. A própria Superliga fornece atestado: estão em ação nessa competição sete jogadores, uma atleta e dois técnicos: Marcelo Méndez, que se cansou de conquistar títulos pelo Sada Cruzeiro, e Horácio Dileo, auxiliar dele na seleção alviceleste e comandante do Vôlei Renata, de Campinas.
Esses talentos são provenientes de uma estrutura que deixa muito a desejar. A Federação do Voleibol Argentino sequer sonha com um patrocinador do porte do Banco do Brasil, parceiro da CBV há décadas. A maior parte dos times da LVA, a liga local, tem apoiadores modestos. Os salários não são polpudos e o vôlei enfrenta concorrência forte para atrair jogadores de estatura elevada.
"Em meu país, o basquete tem um trabalho de captação de atletas bem melhor do que o do vôlei. A seleção argentina de basquete conquistou o título do primeiro Campeonato Mundial, em 1950. É uma paixão muito mais antiga, com mais visibilidade, e atrai os rapazes altos que nós também queremos. Lá o basquete é vencedor, e o êxito atrai", constata Dileo.
"No vôlei argentino, o nível salarial é baixo. Nem mesmo na seleção as condições são boas. Os jogadores treinaram no nosso Centro de Alto Rendimento, durante três meses, no inverno passado. As dificuldades que tinham para se aquecer eram uma doideira. Passaram muito frio. Mas nunca houve uma queixa. Com paixão, o argentino supre as dificuldades. Somos um país que tem fome, mas não exatamente de comida. Como sofremos há décadas com profundos problemas econômicos, temos fome de melhora, de conquista e de trabalho. A fome dá desejo, e ele nos impele a seguir lutando".
Com compleição física menos favorável para a prática do vôlei, em comparação com o perfil do atleta brasileiro, o argentino desenvolveu uma técnica que lembra aquela exibida pela chamada Geração de Prata do Brasil, vice no Mundial de 82 e na Olimpíada de 84. Assim como Renan (1,90m), Bernard e Montanaro (ambos com 1,87m), nossos rivais continentais criaram maneiras de iludir bloqueios e ser competitivos.
"Não somos altos como os russos; temos menor estatura e menos força do que os brasileiros. Devemos explorar bloqueios, atacar em ângulos mais favoráveis. Nossos jogadores desenvolveram uma técnica, aliada a uma malícia, que é reconhecida no exterior", diz Méndez, que já conquistou seis títulos da Superliga e sete sul-americanos no comando do Cruzeiro.
Matías Sanchez, do SESC-RJ, talvez seja o exemplo mais extremo quando se aborda essa estirpe de "tampinhas" habilidosos. Com muita velocidade, o "pequeno gigante" de 1,73m costuma chegar na bola a tempo de ler o bloqueio adversário e selecionar a melhor opção de jogada, valendo-se de fintas e de precisão. "Quando era mais novo, achava que a baixa estatura era um problema. Hoje nem penso nisso. Criei armas para buscar a vitória. Se meu treinador gostar do que faço, beleza. Caso não goste, vou tratar de treinar mais para que goste", diz o melhor levantador dos Mundiais Infantojuvenil de 2013, Juvenil de 2015 e Sub-23 de 2017. Lamentar-se não é opção para este fã do brasileiro William Arjona. "A gente se acostuma a fazer mais com menos. Esse é o espírito argentino", orgulha-se.