A vendedora Elvira Troncoso, de 50 anos, levou a sério o alerta que fez o novo presidente da Argentina, Javier Milei, de que os próximos meses serão duros. Mas está esperançosa que depois do aperto virá a bonança e a Argentina possa sair de sua crise eterna.
"Teremos de nos preparar. Os aumentos já estão acontecendo e só devem piorar, enquanto os salários ficarão congelados. Precisamos nos planejar para cortar custos", disse. Ela trabalha em um quiosque e diz que ali ainda não houve aumento. "Mas, nos mercados, a situação já começou a apertar", afirma.
Um pouco depois do segundo turno das eleições, que consagrou a vitória de Milei sobre o então ministro da Economia Sergio Massa, o governo abriu mão de manter o programa que segurava o preço da comida e de artigos essenciais. Com isso, muitos argentinos correram para os supermercados para estocar alimentos. O maior movimento foi no fim de semana, antes da posse.
Sandra Prado, de 47 anos, que trabalha em uma loja de produtos eletrônicos perto da Praça do Congresso, concorda que nos próximos meses os argentinos terão de se preparar para o choque. "Mas, se é para melhor, teremos de ter paciência", disse. "Ele falou que os próximos dois anos serão brutais, isso me preocupa, mas temos de confiar nele."
No geral, o sentimento nas ruas é de que algo finalmente mude, ainda que o caminho seja árduo. "Tem de haver alguma mudança. Continuar do jeito que estava, não dá", disse Nahuel Onofrillo, de 21 anos. Para ele, a situação já é ruim e mais alguns meses de ajustes não seriam novidade.
<b>Esperança</b>
Para o jovem, os argentinos terão a paciência para ver os resultados, contanto que Milei mostre que já começará desde agora a fazer outras pequenas mudanças que prometeu. "Por exemplo, ele já cortou os ministérios. Ele falou que faria, e fez. É isso que vai fazer as pessoas confiarem nele."
Em seu primeiro decreto – chamado de DNU -, Milei reduziu de 18 para 9 o número de ministérios, tendo unificado alguns deles em uma pasta ou reduzido para a categoria de secretaria. A medida era parte de suas promessas de campanha de "passar a motosserra" nos gastos públicos. Na segunda-feira, em sua primeira reunião de gabinete, Milei prometeu rever contratos e exigiu trabalho 100% presencial dos funcionários públicos. Ele também já foi criticado por, na mesma leva, ter criado uma brecha na lei antinepotismo para acomodar a irmã no cargo de secretária-geral da presidência.
O adiamento do anúncio do pacote econômico – previsto para segunda-feira, mas só comunicado ontem – decepcionou quem estava ansioso para se preparar o mais rápido possível. A vendedora de flores Patricia Kernol, de 50 anos, protestou contra o atraso.
"As pessoas ficam inseguras, sem saber o que vai acontecer. Então, aumentam os preços", lamenta. Sua pequena banca de flores na Avenida Santa Fé, perto da Praça San Martín, no bairro de Retiro, sentiu os efeitos da instabilidade. "As flores não param de subir, viraram artigos de luxo", contou. "Ninguém mais está comprando flores, porque as pessoas têm de comprar comida."
Ela admite que não votou em Milei e não compartilha do mesmo otimismo de outros argentinos, mas deseja que o novo presidente tire a Argentina da crise. "No fim, é bom para todos que ele faça as coisas bem. Não acho que vai conseguir, mas Deus queira que eu esteja errada."
<b>Câmbio</b>
Não foram só os preços que reagiram às incertezas. No mercado cambiário houve confusão com o que determinou o Banco Central, que limitou a compra de dólares. A decisão não afetou as operações financeiras ou as exportações, mas impactou nas importações e na compra do dólar mais barato, chamado de "dólar poupança".
Muitos bancos ficaram confusos sobre como vender os demais tipos de dólar e como cobrar as faturas dos cartões de crédito com transações na moeda americana, o "dólar cartão". Sem saber o que fazer, o dólar subiu, na expectativa de uma possível desvalorização.
A Argentina tem mais de um tipo de câmbio em circulação, uma medida adotada pelo governo de Alberto Fernández para manter o valor do dólar artificialmente baixo. No mercado paralelo, porém, era como se nada tivesse mudado.
A Rua Florida, conhecida pela presença constante dos "arbolitos" (arvorezinhas) – os cambistas que vendem dólar paralelo -, tinha um ar de normalidade. Alguns admitiram que nem mesmo souberam do feriado cambiário.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>