Com um pouco de ajuda, o maestro faz a conta. São treze? Não, catorze. Catorze anos desde que Sir Richard Armstrong regeu uma ópera em São Paulo, à frente da Osesp. O intervalo termina agora: hoje, amanhã e depois ele comanda récitas de <i>O Castelo de Barba Azul</i>, de Bartók, com retorno do grupo ao repertório operístico. A apresentação da sexta-feira será transmitida ao vivo pelo YouTube da orquestra.
Em 2009, Armstrong regeu por aqui <i>O Cavaleiro da Rosa</i>, de Strauss. Foi um momento atribulado: John Neschling, que vinha realizando um ciclo com as óperas do compositor, foi demitido e o maestro inglês chamado para substituí-lo nos concertos. De lá para cá, ele retornou algumas vezes à Sala São Paulo, mas para concertos sinfônicos. "Quando consideramos uma orquestra sinfônica, em uma sala de concertos, a ópera nem sempre é parte de seu cotidiano. Mas os benefícios que vêm do contato com esse repertório são enormes", diz o maestro ao Estadão. "Ele exige enorme flexibilidade para pensar a música do ponto de vista teatral. Não é algo corriqueiro", completa.
Em especial no caso de O Castelo de Barba Azul. A ópera foi escrita em 1910 por Bartók a partir de um texto do poeta húngaro Béla Balázs (a estreia aconteceria só oito anos mais tarde). A história tinha algumas fontes, históricas ou ficcionais. Barba Azul foi o apelido dado, no século 15, a Gilles de Rais, herói da Guerra dos Cem Anos que se tornou assassino em série de crianças, que prendia em seu castelo e devorava. A história, com mudanças significativas, acabou inspirando um conto de Charles Perrault dois séculos mais tarde. E, no final dos anos 1900, uma peça de Maurice Maeterlinck.
<b>CASTELO</b>
Da mistura, Balázs tirou a história de Barba Azul (o barítono David Stout) e sua nova noiva, Judith (a mezzo-soprano Karen Cargill). A ópera começa com a chegada dos dois ao castelo do duque, onde há sete portas fechadas. Ele avisa que abri-las não é boa ideia, mas a mulher insiste. Cada porta, à medida que a obra – que dura cerca de uma hora – se desenrola, revela uma paisagem diferente: uma câmara de tortura, um lago de lágrimas, tesouros, nuvens, jardins manchados de sangue – e por aí vai.
"A música é marcada por mudanças constantes de clima, de atmosferas", diz Armstrong. "Cada porta sugere um ambiente sonoro específico e para a orquestra o desafio é criar essas cores tão fortes, tudo isso com uma música tecnicamente muito difícil."
Armstrong vê em <i>O Castelo de Barba Azul</i> "enorme originalidade". "Se voltarmos ao começo do século 20, temos o fim de uma era na ópera alemã com as peças de Strauss e, na Itália, o fim de um ciclo representado por Giacomo Puccini. Bartók propõe algo diferente, um outro tipo de visão do que é o teatro e de sua relação com a música."
Não foi o único. Armstrong relembra Erwartung, de Arnold Schoenberg, monólogo em que a personagem batizada de Mulher caminha durante a noite por uma floresta onde se depara com o que acredita ser o corpo assassinado de seu amante. A obra também nasceu no início dos anos 1910. É tentador ver a floresta como uma alegoria do inconsciente. Assim como o castelo e suas portas, que se abrem em direção à mente de Barba Azul. "O impacto dessas histórias é enorme. O Barba Azul possui um enredo devastador e, ao mesmo tempo, tocante. E Bartók cria música capaz de revelar esses significados."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>