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Arquiteto Vilanova Artigas trabalhou entre a razão e emoção

Vilanova Artigas nunca camuflou seu desejo de discutir a função social da arquitetura, mas minimizou o débito que tinha tanto com a arquitetura de Frank Lloyd Wright como Le Corbusier. Na exposição em sua homenagem que será aberta nesta terça, 23, no Itaú Cultural, dois dos curadores, o arquiteto Álvaro Razuk e a neta de Artigas, Laura, mostram que coexistem na obra do arquiteto os dois lados: o apolíneo, representado pelo racionalismo de Le Corbusier – que marca a obra de Artigas entre 1944 e 1952 – e o dionisíaco, simbolizado por um belo conjunto de desenhos infantis e sensuais instalado no teto, livres para dialogar com o organicismo de Wright, o autor da famosa Casa da Cascata.

Um desses desenhos, um elefante vermelho, foi feito para a netinha Laura Artigas, então com 4 anos. Hoje ela retribui o carinho do avô com seu documentário Vilanova Artigas: o Arquiteto e a Luz, que dirigiu com Pedro Gorski e entra em cartaz nas salas do Espaço Itaú de Cinema na quinta-feira, 25. É um filme bastante revelador, em que a franqueza de Artigas comove. Há uma sequência, em particular, que mostra o desconforto do arquiteto ao se submeter a um concurso para professor titular na FAU, em 1984, forma de reassumir seu posto, tomado pelo AI-5 por intervenção do regime militar, que, em 1969, o afastou da faculdade, levando-o ao exílio no Uruguai. Comunista, não deixava que suas convicções políticas estivessem à frente da arquitetura como linguagem expressiva. Quando todos achavam que ele ficaria feliz pela nota dez conferida pela constrangida banca examinadora, diz, ferido, que o que tinham feito com ele era uma “molecagem”, que isso jamais aconteceria na França com Foucault ou Barthes.

De fato, ser ao mesmo tempo uma referência arquitetônica e um homem submetido a uma prova para dar aulas era, no mínimo, humilhante. Professor de arquitetos como Paulo Mendes da Rocha e Ruy Ohtake, o embate entre o concreto bruto da estrutura e a delicada luz que emana de suas lajes fez desse paradoxo a principal lição que aprenderam todos os arquitetos que trabalharam com ele – inclusive seu assistente Mendes da Rocha, que a utilizou ao restaurar a Pinacoteca do Estado. O que caracteriza a arquitetura do mestre é a entrada da luz como elemento regenerador de toda construção, neutralizando a carga pesada do concreto, seja na FAU ou na Rodoviária de Jaú.

No filme, Laura Artigas mostra que essa lição é assimilada até hoje por discípulos mais jovens como Fábio Valentim, que, com propriedade, observa a redução dessa luminosidade em projetos posteriores ao exílio. As casas de Artigas, antes abertas para a luz do sol e sem fronteiras, como sua segunda residência (de 1949), vão se fechando à medida que o regime endurece e a amargura cresce.

Por essa arquitetura inconformista, impossível de ser domesticada, Artigas é lembrado na exposição, dividida em três “capítulos”, segundo o curador Razuk: o arquiteto, o educador e o homem público. Descendente de italianos e uruguaios, Artigas nasceu em Curitiba, mas teve de mudar para São Paulo aos 17 anos para estudar engenharia na Politécnica. Bom desenhista, juntou-se ao modernistas do grupo Santa Helena (Volpi, Bonadei, Zanini) aos 21anos, chegando a expor com eles, antes de construir sua primeira casa e fundar com Rino Levi e outros a representação paulista do IAB, em 1944.

Um dos projetos mais ousados do arquiteto foi concebido em 1946, o edifício Louveira, na praça Vilaboim, em Higienópolis, que o fundador da Escola de Arte Dramática (EAD/USP) Alfredo Mesquita, o visionário proprietário do terreno, encomendou a Artigas. Salas e quartos voltados para o Norte, eles recebem a luz da manhã e permitem aos vizinhos visão ampla do que está se passando no apartamento em frente. A integração com a praça anexa e as cores fortes das janelas impressionam até hoje. Marco Artigas, neto do arquiteto, lembra que muitos filmes foram rodados no prédio tombado, entre eles Ensaio Sobre a Cegueira. A filha, historiadora Rosa Artigas, contribuiu com o livro Vilanova Artigas (Editora Terceiro Nome) que será lançado nesta quarta, 24, auxiliada por Marco, também arquiteto, que selecionou 43 dos 700 projetos do avô para a edição.

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